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Entre a ideia e a execução: por que a inovação empaca no Brasil?

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*Por Fábio Magalhães, fundador e sócio da Ideen

O Brasil não é um país carente de ideias, talentos ou mercado. É, no entanto, um país que ainda trata a inovação como exceção, e não como regra estratégica. Apesar de reunir ingredientes fundamentais para se consolidar como um dos grandes polos de tecnologia e transformação digital da América Latina, seguimos presos a uma equação disfuncional: temos recursos, mas carecemos de articulação; temos demanda, mas falhamos em execução; temos potencial, mas não temos projeto. Os obstáculos são amplamente conhecidos e, ainda assim, persistentemente negligenciados. A burocracia continua a paralisar a velocidade que a inovação exige. A insegurança jurídica impede que investidores e empresas assumam compromissos de longo prazo.

A desconexão entre academia, setor privado e governo fragiliza as pontes que deveriam levar conhecimento para o mercado. E os investimentos em pesquisa e desenvolvimento permanecem aquém das necessidades e muito aquém das promessas. Segundo dados recentes da OCDE, o Brasil investe cerca de 1,2% do seu PIB em P&D. Para efeito de comparação, a Coreia do Sul investe 4,8%; os Estados Unidos, 3,5%; e a Alemanha, 3,1%. A distância não é apenas numérica, ela representa a diferença entre países que veem a inovação como política de Estado e aqueles que a relegam a editais pontuais e dispersos, muitas vezes capturados por uma lógica acadêmica que raramente se traduz em impacto prático.

Não faltam centros de excelência ou profissionais qualificados. O capital humano brasileiro é reconhecido internacionalmente por sua competência técnica. O que falta é estímulo e estrutura para que esse conhecimento se transforme em soluções aplicadas. As universidades operam em um universo paralelo ao das empresas. O setor público lança iniciativas relevantes, como FINEP, Embrapii e editais de inovação, mas essas ações são isoladas e insuficientes frente à magnitude do desafio. A lacuna mais crítica talvez esteja no ambiente regulatório. Em setores estratégicos como saúde, finanças, energia e logística, a regulação continua desalinhada com a velocidade da tecnologia. Isso impede que soluções validadas em testes sejam rapidamente aplicadas em escala. As empresas que operam nesses ambientes regulados precisam enfrentar obstáculos desproporcionais para testar e operar inovações, mesmo quando elas têm potencial comprovado de gerar eficiência, reduzir custos e salvar vidas.

As startups, que deveriam ser o motor da inovação aplicada, seguem enfrentando um ambiente hostil: crédito escasso, ausência de mecanismos robustos de compras públicas de inovação, e baixa integração com grandes empresas. Mesmo aquelas que superam o “vale da morte” da fase inicial enfrentam gargalos para escalar, não por falta de produto, mas por falta de mercado e conexão institucional. Enquanto isso, países como Israel e Reino Unido criaram modelos eficientes de compras públicas de inovação, com ambientes de teste regulatórios, sandbox tecnológicos e articulação tripartite entre governo, empresas e universidades. No Brasil, o que se vê é um mosaico desarticulado de boas intenções, onde cada ator atua com objetivos próprios e desconectados.

Em um país com as dimensões e a complexidade do Brasil, essa falta de orquestração é mais do que uma falha de gestão, é um erro estratégico. O que o país precisa, mais do que nunca, é transformar inovação em eixo central de desenvolvimento. Isso implica uma política industrial do século XXI, que combine digitalização, competitividade, incentivos e regulação inteligente. Implica, também, assumir que inovar não pode ser privilégio de poucos, nem um esforço heroico: precisa ser política pública, prática cotidiana e compromisso compartilhado. Empresas brasileiras seguem inovando, mas muitas vezes, o fazem apesar do ambiente. O desafio agora é criar as condições para que inovem por causa dele. Só assim o Brasil deixará de ser uma promessa e passará a ser protagonista real da nova economia.

*Fábio Magalhães é fundador e sócio da Ideen e da Revvo, com mais de 20 anos de experiência em soluções de tecnologia aplicadas a ambientes críticos. Especialista em arquitetura de soluções e gestão de projetos complexos, já liderou mais de 30 iniciativas estratégicas em setores como financeiro, infraestrutura, varejo e indústria. Atua diretamente na modernização de plataformas tecnológicas em ecossistemas regulados e de alta responsabilidade operacional.

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