Confira o parecer da vice- procuradora-geral da República, Deborah Duprat, que reiterou pedido de intervenção no DF ao STF. Para ela, a ação é necessária e urgente para evitar “novos desvios ou favorecimento de dinheiro público”.
A Procuradoria Geral da República, em atendimento ao
despacho de fl. 1165, vem reiterar os termos do aditamento da inicial
de ação interventiva e manifestar-se acerca das informações prestadas
pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal e pela Câmara Legislativa.
Tais informações sustentam, em síntese, a perda do
objeto, em razão de ocorrências posteriores ao ajuizamento da ação
interventiva – sobretudo, a eleição indireta para os cargos de
Governador e Vice-Governador –, e a suposta necessidade de
audiência pública para legitimar eventual intervenção.
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Procuradoria Geral da RepúblicaInicialmente, há lembrar que o pedido de intervenção
federal, ao questionar o nível de comprometimento de todos os
parlamentares do Poder Legislativo distrital nas irregularidades
apontadas na investigação da Operação Caixa de Pandora, objetiva
evitar novos desvios ou favorecimentos na aplicação dos recursos
públicos.
Mais: não é a mera prática de crimes o fato ensejador do
pedido de intervenção, mas a conjuntura política já delineada e
seriamente ofensiva aos princípios constitucionais sensíveis.
O intuito da propositura, assim, é refrear abusos,
instituir criteriosa fiscalização e rigoroso saneamento, afastando em
definitivo qualquer nódoa que venha conferir descrédito aos Poderes
Legislativo e Executivo distritais.
Há lembrar que as investigações apontam o
envolvimento de mais de vinte e seis deputados – entre titulares e
suplentes – nas fraudes investigadas no âmbito do Superior Tribunal
de Justiça.
Em circunstâncias de notório enfraquecimento do
Legislativo e Executivo distritais, e a pretexto de evitar uma
descontinuidade na gestão política e administrativa (e,
declaradamente, a intervenção), promoveu-se – em analogia ao artigo
81-§1º da Constituição Federal – a convocação de eleição indireta.
2É dizer: a Câmara Legislativa – contrariando novamente
a necessidade de isenção em seus julgamentos, e, impulsionada por
força-motriz externa – chancelou o direito a voto de deputados
envolvidos no “Escândalo do Mensalão” para a escolha indireta do
Governador.
Ora, registra-se, aqui, paradoxal ironia: malgrado tenha
o afastamento do ex-governador Arruda ocorrido por tais e quais
irregularidades – cometidas, muitas, em conluio com vários deputados
distritais –, conferiu-se, nada obstante, a esse Legislativo,
profundamente comprometido em sua independência e
imparcialidade, a fundamental atribuição de escolher, em nome do
povo, o chefe do Executivo local.
Assim, no dia 17 de abril, Rogério Rosso – ex-integrante
dos governos de Joaquim Roriz e José Roberto Arruda – foi
conduzido, mediante eleição indireta, ao cargo de Governador.
Coincidentemente, dos treze votos que asseguraram sua vitória, oito
são de deputados citados na investigação do suposto esquema de
pagamento de propina no Distrito Federal
1
.
Por seu turno, a Câmara, na franca contramão do
objetivo da intervenção e com quadro político-administrativo
delineado, afirma que “tão importante quanto o funcionamento da Casa
Parlamentar é o respeito aos mandatos conferidos nas urnas, como expressão
direta da soberania popular. Não basta que a Câmara funcione, mas sim que
1
Informação retirada do site: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/4/19/pedido-de-
intervencao-segue-sob-rogerio-rosso , acessado em 08/06/2010.
3ela funcione com os representantes que foram ungidos pelas urnas (…)” (fl.
1092).
Ora, a postulação interventiva não pretende impedir
que os Poderes Públicos distritais façam jus ao mandato conferido pelo
titular do poder, e que assim façam valer o princípio republicano e
democrático – norteadores da probidade e da responsabilidade –, mas,
ao reverso, busca sua efetiva realização.
Para além disso, é, no mínimo, uma blague o discurso
louvando o respeito à soberania popular, quando assiste-se à
locupletação do bem público e à perpetuação da irresponsabilidade
administrativa, política e criminal.
Entender restaurada a normalidade das instituições
não apenas implica desconhecer o quadro fático instaurado na capital
do País, como abstrair tudo o quanto impõe a Constituição em relação
aos deveres de legalidade, probidade, moralidade, indisponibilidade
do interesse público, além – é claro – dos princípios constitucionais
sensíveis aqui defendidos.
Graves problemas – que acabrunharam a população do
Distrito Federal a ponto de o Ministério Público local pedir reparação
por danos morais a alguns protagonistas da farra – são e foram
cotidianamente identificados, e grande parcela dos envolvidos no
esquema de corrupção permanecem seguros em seus assentos,
imbuídos de um poder totalmente destituído de legitimidade, a criar
4manobras de proteção geral, ou, na pior das hipóteses, afastados de
seus cargos, mas ainda remunerados por um ócio indigno.
Nesse rumo, recentemente, o presidente da Comissão
de Ética e Decoro Parlamentar, Aguinaldo de Jesus (PRB) , instado a
apontar os motivos que conduziram à paralisação na Câmara
Legislativa das representações contra deputados flagrados pela
Operação Caixa de Pandora, disse entender inexistentes elementos
suficientes para abertura de processo por quebra de decoro
parlamentar contra os deputados distritais citados em diálogo
(captado por escuta ambiental instalada pela Polícia Federal) entre
José Roberto Arruda, José Geraldo Maciel e Durval Barbosa sobre a
distribuição da mesada à base aliada na Câmara2
.
É ululante, portanto, que enquanto a Câmara exalta a
soberania popular, promove ardis de proteção mútua dos
parlamentares envolvidos e nega-se peremptoriamente – por seus atos
protelatórios e contrários aos reclamos constitucionais – a apurar as
responsabilidades.
Com uma propriedade com ares de deboche, a Câmara
Legislativa aponta a renúncia – sempre incentivada – de alguns
deputados para evitar o processo de decoro parlamentar como
exemplo de medidas adotadas dirigidas à apuração dos delitos e
irregularidades. Ora, este harakiri sem sangue e sem honra não acarreta
nenhum prestígio à instituição, já que é ato unilateral e erga omnes, da
qual não participa, nem faz juízo crítico, a Câmara distrital.
Não apenas isso: afirma esse Legislativo, supostamente
imparcial e restaurado, que, “quanto aos demais Deputados mencionados
em gravações no IP 650/DF, a Câmara Legislativa aguarda a conclusão do
inquérito para adotar as medidas cabíveis” (fl.1078).
Assim, apesar de debates, incursões, decisões esparsas,
alterações na Lei Orgânica e eleição indireta, em verdade, nenhuma
medida concreta foi realizada pela Câmara Legislativa, o que só
ocorrerá se a Suprema Corte fizer valer a Constituição para reafirmar o
princípio republicano. Apesar de céus e Terra proclamarem há muitas
décadas que as instâncias punitivas são independentes, os deputados
aguardarão, com fervor corporativo, e como de hábito, que o Judiciário
faça por eles.
É de ressaltar, também, que a Câmara sequer conseguiu
exumar entre seus integrantes alguém para cuidar das questões
disciplinares na Casa, encontrando-se sem Corregedor desde o ano
passado3
.
Certo é que as irregularidades administrativas –
apontadas no aditamento da inicial – deverão ser apuradas e
processadas pelas instâncias administrativas e judiciais competentes;
3
Informação retirada do site:
http://www.dzai.com.br/anamariacampos/blog/blogdaanamariacampos?tv_pos_id=60606, acessado em
08/06/2010.
6todavia, não deixam de retratar a manifesta instabilidade institucional
do Distrito Federal.
Assim, não há dizer que a repercussão da crise política
nos serviços públicos essenciais são “meras especulações pendentes de
apurações técnicas”, como imagina a Procuradoria-Geral do Distrito
Federal em suas informações. Cuida-se de auditorias promovidas pela
Controladoria Geral da União – CGU, além de as consequências
concretas do desvio de recursos e da submissão dos atos ilegais ao
beneplácito do legislativo apresentarem-se, diariamente, no desserviço
prestado nos hospitais e escolas públicas.
Ora, a intervenção não busca negar qualquer garantia,
mas sim implementar a solução constitucionalmente prevista para
casos que tais. Não há falar em violência aos poderes instituídos; ao
contrário, violência, de fato, foi a ação prévia não só de
irresponsabilidade, como de crime coletivo cometido pelos agentes
públicos.
Tem-se, ainda que nenhum dos fatos foi negado por
qualquer dos interessados, restando estes, portanto, incontroversos
(artigo 334-III do CPC). Logo, se estes não se desincumbiram de alegar
e provar o contrário, são dignos de crédito todos os fundamentos
fáticos do aditamento da inicial.
Por fim, a Procuradoria-Geral do Distrito Federal aduz
a necessidade de audiência pública para a oitiva de entidades
7representativas da sociedade civil, além de autoridades e
doutrinadores renomados, sobre a pertinência ou não da decretação da
intervenção federal no Distrito Federal.
De todo modo, a intervenção é procedimento
essencialmente técnico e privativo do Supremo Tribunal Federal, que
não clama, como pressuposto normativo, pela realização de audiência
pública.
Esta, aliás, a derradeira graça: um Governo cujo
mandatário maior foi escolhido de forma indireta, sem qualquer
consideração à soberania popular, e ainda por cima ungido por
deputados envolvidos em sérias ilicitudes, quer agora que a sociedade
seja ouvida. Perigosa sugestão, de incerto desfecho. Para responder,
basta, por ora, lembrar que a intervenção é tema constitucional próprio
ao Supremo, que prescinde da invocação de um recurso que, aqui –
considerando a origem da ideia –, tem todos os contornos de um
estratagema diversionista, cujo único propósito é ver o tempo escoar
em favor da manutenção deste vergonhoso estado de coisas.
Reitera a Procuradoria-Geral da República, assim, a
procedência do pedido.
Brasília, 08 de junho de 2010.
DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA
PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA EM EXERCÍCIO