João Badari*
O debate sobre uma nova reforma da Previdência voltou ao centro das atenções. A justificativa? O envelhecimento da população, a informalidade crescente no mercado de trabalho e a pressão fiscal sobre o sistema. Mas antes de mais uma rodada de cortes, o Brasil precisa parar, olhar para trás — e refletir com responsabilidade.
A Emenda Constitucional nº 103, aprovada em 2019, já foi uma das reformas mais duras da história. Impôs idade mínima, aumentou tempo de contribuição, endureceu o cálculo dos benefícios e reduziu os valores pagos a milhões de segurados. A promessa era clara: garantir equilíbrio por pelo menos uma geração. Agora, poucos anos depois, uma nova reforma é aventada — como se a anterior tivesse falhado ou sido mal planejada.
Mais do que um problema financeiro, o que está em jogo é o modelo de proteção social que o Brasil quer adotar. É verdade que envelhecemos rapidamente: segundo o IBGE, a população com 65 anos ou mais dobrará até 2040. Mas isso não pode servir de pretexto para sacrificar ainda mais quem depende da aposentadoria. Enfrentar o envelhecimento punindo idosos seria tão cruel quanto ineficaz.
Além disso, o mercado de trabalho mudou. A chamada “uberização” e a economia digital fizeram surgir uma nova informalidade, em que milhões de brasileiros — especialmente jovens da geração Z — trabalham sem qualquer proteção previdenciária. São entregadores, autônomos, influenciadores, freelancers que, muitas vezes, nem sabem como contribuir. Propor nova reforma sem antes encarar essa realidade é ignorar as transformações que corroem a base de arrecadação.
É hora de repensar a estratégia. Não se trata de cortar mais: trata-se de incluir mais. Políticas de estímulo à formalização, contribuições proporcionais, responsabilização das plataformas digitais e educação previdenciária desde a escola são caminhos para reconstruir a base do sistema. E mais: combater fraudes e sonegações que drenam recursos preciosos.
Empresas e grupos econômicos devem mais de R$ 500 bilhões à Previdência. Parte dessa dívida segue esquecida, seja por morosidade judicial ou por omissão do Estado. Falar em cortar direitos sem cobrar esses valores é inversão de prioridades — e afronta à justiça social.
Também é urgente modernizar o INSS: investir em inteligência artificial para cruzar dados, eliminar erros, acelerar processos e evitar pagamentos indevidos. Há muita economia possível sem atacar os segurados de boa-fé.
Comparações com países europeus não se sustentam quando descontextualizadas. Aqui, a Previdência não é só aposentadoria: é também assistência social, pensões, auxílios por incapacidade. Somos um país com desigualdade crônica, desemprego persistente e informalidade elevada. Importar modelos estrangeiros sem considerar isso é apostar no colapso social.
A Previdência é mais do que uma conta a pagar: é instrumento de redistribuição de renda, base de sustento de famílias e motor de economias locais. Nos pequenos municípios do Brasil profundo, o benefício do INSS move o comércio, paga o remédio, sustenta a casa.
Antes de uma nova reforma, é preciso avaliar os efeitos da anterior. Rever regras com base em números frágeis e projeções parciais é abrir caminho para decisões apressadas e injustas. O que o Brasil precisa não é de mais restrições, mas de um pacto previdenciário moderno, justo e financeiramente responsável.
Cobrar quem deve, incluir quem está à margem, combater fraudes, modernizar a máquina pública e educar para o futuro: esse é o caminho do equilíbrio sustentável. E isso só será possível se tratarmos a Previdência como o que ela é — um patrimônio da sociedade brasileira.
*João Badari é advogado especialista de Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados