POLÍTICA |
Onde o PT lembra os coronéis da Arena? |
Partido obteve preferência em grotões do Nordeste, onde legenda de sustentação do regime militar reinava nos anos 60 e 70 Assim como nos anos 60 e 70, quando a Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do governo militar, tinha presença marcante na maioria das áreas pobres do país, o mapa da distribuição dos votos do PT, este ano, mostra que a legenda também obteve votações expressivas em pequenos municípios e nos grotões, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. No interior de Ceará, Pernambuco, Bahia e Maranhão e no norte de Minas Gerais a presidente eleita, Dilma Rousseff, chegou a ter mais de 85% dos votos. Mas, apesar do predomínio da “onda vermelha” nas áreas mais carentes, até que ponto a forma de atuação do PT se assemelha com a da antiga Arena? Com políticas clientelistas — as frentes de trabalho temporárias eram uma delas —, as oligarquias regionais da Arena controlavam uma parcela significativa do eleitorado do interior. Essa forma de atuação associada a um regime militar com sistema bipartidário levou o partido a conquistar, entre 1966 e 1970, mais de 60% das cadeiras da Câmara dos Deputados. Para o Senado, a votação era ainda mais expressiva. Mais de 80% das vagas ficavam com a Arena. Este ano, o PT e os partidos aliados conquistaram 78% das cadeiras na Câmara, e 68% do Senado. Na avaliação da cientista política e jornalista Lúcia Hipólito, as práticas políticas das lideranças se assemelham com o período em que a Arena reinou nos grotões. Segundo Lúcia, o enfraquecimento do DEM no interior do país e a entrada do PT nessa região indicam uma mudança de cenário: — Não é o Bolsa Família em si, muito menos os beneficiados pelo programa, mas as práticas políticas que, a meu ver, são muito semelhantes com aquele período. O PT entrou no interior e tomou conta do lugar dos coronéis. Os coronéis do DEM perderam espaço. Para fazer isso, o PT não teve o menor constrangimento em fazer alianças com o que há de mais retrógrado no coronelismo, como Sarney e Jader Barbalho. Outros pesquisadores fazem análise diferente. O cientista político da PUC-Rio Cesar Romero Jacob, que estuda mapas eleitorais, observa que tanto Fernando Collor quanto Fernando Henrique Cardoso e Lula tiveram votos nos grotões. Segundo ele, “não se ganha eleição presidencial sem algum compromisso com o Brasil das metrópoles modernas, das periferias urbanas pobres e dos grotões”. Analista: papel de mediação das oligarquias diminuiu Jacob, contudo, vê diferenças no modus operandi da Arena e do PT. Para ele, as oligarquias que ainda existem procuraram se adaptar ao novo cenário para sobreviver: — Não há semelhanças. O PSDB, a partir dos programas de distribuição de renda iniciados pela então primeira-dama Ruth Cardoso, e depois o PT, aprofundando isso, mudaram a lógica clientelista da Arena. Agora as pessoas recebem os benefícios direto do governo federal, não mais através de uma liderança regional. Isso ajudou a reduzir o papel de mediação das oligarquias. A distribuição do voto nesta eleição atendeu à lógica dos interesses. Os beneficiados pelos programas estavam atentos ao discurso da Dilma, que focou essa questão. Ex-fundador do PT, o sociólogo e professor emérito da USP Francisco de Oliveira considera natural o processo de interiorização do partido. O professor explica que partidos de massa como o PT ocupam espaços inclusive nos municípios menores. O sociólogo também discorda do comparativo entre a votação do PT e da Arena: — O partido dos militares não estava no interior por vontade dos eleitores. Era um partido vinculado a governo militar, à ditadura. O PT é um partido de massa, e é natural que conquiste votos no interior. Existe uma análise equivocada que diz que é o atraso que conduz o país (força eleitoral no interior). É exatamente o contrário. São os centros urbanos, e não os grotões, que emitem os sinais e dirigem o processo de modernização econômica e política. Professora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC/ FGV), Marly Motta sustenta que a institucionalização das políticas sociais mudaram as relações entre os partidos e os eleitores, sobretudo aqueles que ainda dependem dos programas governamentais. Para ela, nem mesmo a distribuição geográfica dos votos da Arena e do PT pode ser comparada: — A Arena tinha vitórias acachapantes porque ocupava todos os espaços. A meu ver, a institucionalização das políticas públicas nos anos 90 torna o atual período radicalmente diferente daquele dos anos 70, onde predominava um clientelismo clássico. Informações de O Globo. |