A administração Lula repassou R$ 12,6 bilhões a 7.700 ONGs (Organizações Não-Governamentais) por meio de 20 mil convênios entre 2003 e 2007. Apesar dos valores expressivos, não havia mecanismos para selecionar adequadamente as entidades escolhidas como prestadoras de serviço. Quase não existiu controle na aplicação dos recursos federais, nem rigor na hora de acertar as contas. Suspeitou-se de desvios. Parte do dinheiro poderia ter sido embolsada por gente amiga. A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) encarregada de apurar irregularidades quase não avançou. Os governistas travaram as investigações. Não houve quebra de sigilos bancários e fiscais para identificar responsáveis pela eventual roubalheira.
A proposta para criar a CPI surgiu após a identificação de Jorge Lorenzetti, o amigo e churrasqueiro de Lula, como protagonista do escândalo do dossiê, no final de 2006. Na época Jorge Lorenzetti fora apontado pela Polícia Federal como o responsável pela articulação da compra do tal dossiê. Ele também era colaborador de uma ONG, a rede Unitrabalho, suspeita de desvios. A Unitrabalho recebeu R$ 5,4 milhões da Fundação Banco do Brasil.
As denúncias respingaram em Ideli Salvatti (PT-SC), então líder do partido do presidente da República no Senado. Ela teria ligações com a ONG Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul, que recebeu R$ 5,2 milhões do Governo Federal entre os anos de 2003 e 2007. Suspeitava-se que parte do dinheiro destinado à formação e qualificação de mão-de-obra rural teria sido usada em campanhas do PT. A filha de Jorge Lorenzetti, Natália, aliás, trabalhava no gabinete da senadora Ideli Salvatti.
Associou-se ainda o nome de Jorge Lorenzetti ao de outra ONG de Santa Catarina, a Rede 13. Entre os fundadores da entidade estava Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do presidente Lula. A ONG funcionaria como um braço do programa Fome Zero e teria recebido R$ 7,5 milhões do Governo Federal até ser extinta. A oposição suspeitou da Rede 13, que também serviria para repassar dinheiro público a integrantes do PT.
Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) chegou a apontar que 54% das verbas federais destinadas a ONGs eram repassadas a entidades sem capacidade para realizar as atividades propostas. A metade dos R$ 3 bilhões liberados a ONGs e Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) em 2006, conforme estimativa do TCU, foi desviada. Não é pouco: R$ 1,5 bilhão. Malversação de dinheiro público. Para fiscalizar atividades de 270 mil ONGs e Oscips, o Ministério da Justiça dispunha de 12 funcionários.
Exemplo de descontrole e desperdício de dinheiro público foi o tratamento do governo Lula à ONG Agência de Desenvolvimento Solidário, ligada à CUT (Central Única dos Trabalhadores). Com sede em São Paulo, a entidade recebeu R$ 8 milhões do Ministério da Educação para executar o Programa Brasil Alfabetizado. Não cumpriu o estabelecido.
Entre as irregularidades detectadas em 59 ONGs conveniadas com o Ministério da Educação havia grupos de alunos-fantasmas, turmas com número de alunos abaixo do previsto, professores sem receber salários, professores cadastrados à revelia, classes registradas em locais desativados e, principalmente, inexistência de prestações de contas sobre serviços que foram pagos e deveriam ter sido realizados. Funcionava tudo como se as entidades existissem apenas como forma de transferir dinheiro público a seus donos.
A CGU (Controladoria-Geral da União) inspecionou “serviços” do Instituto do Trabalho Dante Pellacani em Belford Roxo (RJ). Era uma fraude. Não encontrou quatro alfabetizadoras inscritas pela ONG para ministrar aulas. Dos 40 alunos da amostra analisada, 16 nem sequer existiam. Dos sete nomes que constavam na relação de beneficiários e possuíam telefone em casa, três não participavam das atividades. Dos outros, quatro nem foram localizados.
Em março de 2008, a ONG Associação Nacional de Cooperação Agrícola, ligada ao MST (Movimento dos Sem-Terra), foi condenada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) a devolver R$ 4,4 milhões repassados pelo Ministério da Educação, por irregularidades no Programa Brasil Alfabetizado. Como prestação de contas, a ONG apresentou relações com os nomes de supostos beneficiários, mas não mostrou listas de presenças nem controle de frequência de alfabetizandos e alfabetizadores.
Outro caso suspeito envolveu as ONGs Instituto Técnico de Estudos Agrários e Cooperativismo e Instituto de Orientação Comunitária e Assistência Rural, ligadas ao MST. Receberam R$ 5,8 milhões do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Não ficou demonstrada a aplicação do dinheiro.
Levantamento da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, em Brasília, concluiu que R$ 330 milhões foram repassados pelo Governo Federal a 546 ONGs por meio de convênios supostamente irregulares. Houve casos de entidades criadas alguns meses antes das assinaturas dos convênios que autorizariam a liberação dos recursos.
Na gestão do ministro Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG), o Ministério do Turismo assinou convênios com 55 entidades no valor de R$ 11,8 milhões. Todas as organizações tinham menos de três anos de existência. Uma delas, a Associação dos Amigos, situada no Rio de Janeiro, tinha cinco meses quando recebeu R$ 499 mil para promover trabalhos de incentivo ao turismo.
O TCU (Tribunal de Contas da União) estranhou a liberação de R$ 300 mil por parte do Ministério do Turismo para um congresso da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), realizado em agosto de 2006. Lula participou do evento. O repasse das verbas federais foi considerado contrário ao interesse público. Em menos de cinco anos, a Abrasel recebeu R$ 24 milhões em dinheiro do governo, sendo que apenas um dos convênios, firmado em 2004, consumiu R$ 11,4 milhões do Ministério do Turismo. O TCU apontou irregularidades na parceria e favorecimento ao presidente da Abrasel, Paulo Solmucci. Ele manteria ligações com Lula.
Em outro caso, uma ONG criada em agosto de 2003 recebeu R$ 1,6 milhão em janeiro de 2004, para “atender demandas de empresas e associações em busca de certificação do projeto Fome Zero”. O dinheiro foi liberado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome.
Já a Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste recebeu R$ 3,7 milhões do Governo Federal, sendo R$ 2,3 milhões diretamente da Secretaria de Desenvolvimento Territorial, órgão do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Para anotar: o secretário de Desenvolvimento Territorial, Humberto Oliveira, foi dono da ONG por dez anos. Entre as tarefas que a entidade se comprometeu a executar com dinheiro público se destacam as seguintes: dinamização das ações de desenvolvimento rural sustentável, consolidação da estrutura de gestão de 12 cooperativas de crédito rural singulares, articulação do território agreste meridional e mata sul e estudo propositivo no Estado de Pernambuco. Deu para entender?
A Secretaria Especial da Aquicultura e da Pesca, controlada pelo ministro Altemir Gregolin (PT-SC), repassou recursos, por meio de convênios, a entidades dirigidas por filiados do PT em Santa Catarina. Foram R$ 101 mil para a Colônia de Férias Z-14 e R$ 100 mil para a Casa Familiar do Mar, ambas presididas pelo petista Obadias Barreiros. A Associação de Pescadores da Barra do Camacho, de Jaguaruna (SC), ligada ao deputado Paulo Serafim, também do PT, recebeu outros R$ 59 mil.
O Ministério do Trabalho e Emprego, sob comando do PDT, chegou a responder por R$ 31,8 milhões transferidos a ONGs por meio de convênios que ficaram pendentes de regularização. O ministro Carlos Lupi (PDT-RJ) assinou parceria considerada suspeita, no valor de R$ 4,4 milhões, com a ONG Confederação Nacional dos Evangélicos. O acerto foi feito menos de dois meses depois que um diretor da entidade se filiou ao PDT.
Outras quatro entidades ligadas ao PDT também receberam dinheiro liberado pelo ministro Carlos Lupi. Três delas foram recomendadas pela Força Sindical, sendo que duas tinham suas sedes no mesmo edifício que abriga a central sindical. O presidente da Força, aliás, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), foi acusado de participar de esquemas que desviaram dinheiro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador, do Ministério do Trabalho).
A CPI das ONGs chegou a apontar cinco deputados como tendo ligações com organizações não-governamentais investigadas pelo Senado. São eles: Adão Pretto (PT-RS), Marcos Maia (PT-RS), Assis Miguel do Couto (PT-PR), Anselmo de Jesus (PT-RO) e Sandra Rosado (PSB-RN).
A ONG Ifas (Instituto Nacional de Formação e Assessoria Sindical), com sede em Goiânia, assinou convênio de R$ 7,1 milhões com o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). No início de 2008 já havia recebido R$ 4,6 milhões do estipulado, apesar de a entidade ter deixado de demonstrar como organizara os cursos técnicos para a formação de lideranças rurais graças aos quais pôs as mãos no dinheiro público. Não emitiu relatórios que comprovassem a execução dos serviços nem provou como empregou as verbas federais. A transação virou caso de polícia. Teve ordem de busca e apreensão por parte da Justiça Federal. Os repasses foram suspensos e as contas bancárias, bloqueadas. Descobriu-se que um dos fundadores da Ifas era Delúbio Soares, o conhecido ex-tesoureiro do PT.
O Instituto Novo Horizonte foi criado para oferecer cursos de treinamento a crianças pobres. Bonito. Na prática teria engolido R$ 1,8 milhão do Ministério da Ciência e Tecnologia. Michael Vieira da Silva, ex-funcionário da ONG, denunciou a abertura de empresa de fachada, emissão de notas fiscais frias e a maracutaia segundo a qual eram simuladas compras de material didático. Os serviços não teriam sido prestados. Em outro caso suspeito envolvendo o Ministério da Ciência e Tecnologia, a ONG Instituto de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Xingó recebeu R$ 11,2 milhões em três anos.
Voltemos à maracutaia do Instituto Novo Horizonte. Numa única operação, denunciada na revista Veja, teria havido fraude em despesas de R$ 1,1 milhão na aquisição de material didático. Em outro convênio, desta vez com o Ministério do Esporte, a ONG pôs as mãos em R$ 1,6 milhão. Dirigentes do Instituto Novo Horizonte teriam ligações com o secretário de Inclusão Social do Ministério da Ciência e Tecnologia, Joe Valle, e com Agnelo Queiroz (PC do B-DF), que exerceu o cargo de ministro do Esporte de Lula. Michael Vieira da Silva teria repassado R$ 150 mil em dinheiro vivo a Agnelo Queiroz.
Enquanto Agnelo Queiroz foi ministro do Esporte, beneficiou sua base eleitoral em Brasília. As ONGs Associação João Dias de Kung Fu, Federação Brasiliense de Kung Fu, Associação dos Funcionários do Ceub e Associação Gomes de Matos receberam R$ 4,7 milhões. Houve acusações sobre a existência de listas de assinaturas simuladas para forjar frequências em cursos e de notas fiscais frias para justificar despesas a dirigentes do PC do B.
Quando Agnelo Queiroz foi substituído por Orlando Silva (PC do B-SP), o Ministério do Esporte continuou a priorizar a distribuição de recursos em favor de ONGs. Mas priorizou São Paulo, base eleitoral do novo ministro. Dos R$ 14,1 milhões distribuídos a entidades não-governamentais por Orlando Silva no início de seu mandato, a maior beneficiária foi a Confederação Nacional das Associações de Moradores, com sede na capital paulista. Recebeu R$ 5,2 milhões. A presidente da entidade era filiada ao PC do B, da mesma forma que os dirigentes de outras quatro ONGs agraciadas por Orlando Silva. Juntas, as entidades paparam outros R$ 8,9 milhões.
A ONG Bola Pra Frente, com sede em Jaguariúna (SP), recebeu R$ 8,5 milhões em 2008. Foi o terceiro maior repasse a uma entidade privada sem fins lucrativos feito pelo Ministério do Esporte naquele ano. O problema é que a presidente da ONG, vereadora Karina Valéria Rodrigues, era filiada ao mesmo PC do B do qual fazia parte Orlando Silva. Karina Valéria Rodrigues, por sua vez, escolheu a RNC Comércio de Produtos Alimentícios e Artigos Esportivos para fornecer alimentos por dois anos à sua ONG. Valor do contrato: R$ 4,4 milhões. A RNC foi a maior doadora da campanha de Karina.
(Extraído do livro O CHEFE, de Ivo Patarra)
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