DETRAN – TCDF investiga esquema de placas
Do Correio Braziliense
Tribunal de Contas do Distrito Federal apura denúncia de irregularidades na contratação do serviço de emplacamento de veículos. Segundo dois empresários que procuraram o Ministério Público de Contas, outras duas empresas foram favorecidas pelo órgão
O Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPCDF) investiga a denúncia de um suposto esquema de corrupção, cobrança de propina, tráfico de influência e fraude no serviço de fabricação de placas de carros, que é terceirizado pelo Departamento de Trânsito do DF(Detran).
Segundo os denunciantes, pessoas ligadas ao órgão alteraram a norma que determina os requisitos para uma empresa pleitear o credenciamento, com o objetivo de permitir a entrada de duas novas fábricas em um pool que, há 15 anos, é responsável pelo emplacamento dos veículos. Apesar de o MPCDF ainda estar investigando as possíveis irregularidades, de forma preventiva, o Detran já adiantou que vai abrir uma licitação para selecionar novos interessados em prestar o serviço.
O Correio obteve, com exclusividade, uma cópia do documento, que tem oito páginas.
A denúncia foi protocolada em 19 de janeiro deste ano por dois proprietários de empresas que integram a Associação das Empresas Fabricantes de Placas Credenciadas no Detran/DF (Asplac). Eles acusam dois ex-diretores do Detran de participarem do esquema fraudulento. As empresas credenciadas, supostamente de forma irregular, são a Internacional Fabricação e Comércio de Placas Ltda. e HG Comércio de Pneus e Placas para Veículos Ltda.-ME.
As duas foram criadas há pouco mais de três anos, período em que Délio Cardoso dirigia o órgão. Ele é acusado pelos empresários de ser sócio da Internacional Fabricação e Comércio de Placas Ltda., com sede no Paranoá. No cadastro de pessoas físicas e jurídicas da Secretaria de Receita Federal, a empresa está em nome de Vinícius Gregory de Medeiros e de Júlio César de Andrade. Este último foi denunciado pelo Correio, em novembro de 2008, de manter um convênio suspeito com o Instituto de Registros de Títulos de Documentos e Pessoas Jurídicas do DF. A entidade era responsável pelo pagamento do serviço de filmagem de blitzes do Detran, que eram feitas por uma empresa de propriedade de Júlio César. O trabalho contava com auxílio de outra produtora, a AUX 3, de propriedade do jogador Dimba — que é irmão de Júlio César –– e de Délio Cardoso. O serviço começou a ser prestado em maio de 2007, quando Délio presidia o Detran.
O documento que revela detalhes da suposta fraude foi encaminhado ao MPCDF em 19 de janeiro. O Ministério Público não se pronunciou sobre o mérito da denúncia, mas a encaminhou para a presidência do Tribunal de Contas para que fosse aberta investigação. Além de Délio Cardoso, ainda está sendo averiguada a participação de um outro ex-diretor do Detran. Trata-se de Gualter Tavares Neto, atual secretário de Transportes do DF, que também seria o responsável por uma outra empresa especializada no serviço: HG Comércio de Pneus e Placas para Veículos Ltda.ME. De acordo com a denúncia, ela está registradas em nome de um “laranja”. O negócio rende um lucro de aproximadamente R$ 50 mil mensais a cada empresa. Em média, 7,3 mil carros são emplacados por mês.
Laranjas
No cadastro do Detran, a HG Comércio de Pneus e Placas para Veículos Ltda.-ME é de propriedade dos irmãos Henrique e Guilherme do Vale Andrade. Ambos são filhos de Sérgio Lúcio Silva de Andrade, atual presidente da Asplac. Sérgio e os filhos, segundo o denunciante, seriam “laranjas” do secretário de Transportes. A HG está situada na Quadra 15 da Cidade do Automóvel (Estrutural). No mesmo lote onde fica a Grancar Veículos e Pneus, de propriedade de Sérgio, criada em agosto de 2007. Coincidentemente, no mesmo período em que Gualter era diretor administrativo do Detran/DF.
De acordo com a denúncia, as duas empresas surgiram do dia para a noite. “Como a IS nº 606, na qual a maioria das empresas foram credenciadas, exigia muitos equipamentos para a montagem da fábrica, o Sr. Gualter e o Sr. Délio usando de suas atribuições e influências alteraram a Instrução Normativa.” Com a modificação, o Detran passou a exigir das empresas a metade do maquinário necessário para realizar o serviço.
Gualter, ainda segundo a denúncia, fez pressão para que os donos das empresas credenciadas pelo Detran elegessem Sérgio presidente da Asplac, sob a alegação de que ele era influente no governo, o que acabou acontecendo em 2008. “A ex-presidenta da Asplac (Zilda Xavier da Costa) foi obrigada a renunciar ao cargo para que Sérgio assumisse o lugar”, revela o empresário. Em 10 de janeiro, Zilda também protocolou uma denúncia. “Gualter me chamou (…) para avisar ao grupo (de empresários do setor), principalmente José Freire (de Siqueira), dono da Arte Screen Placas, que ficassem quietos, caso contrário iria nos ‘ferrar’ e nos causar grandes problemas.”
Outra acusação dos empresários é a de que Sérgio passou a cobrar propina. “Ele disse que, no atual governo, não existe nenhuma empresa trabalhando junto ao GDF sem pagar cotas e a única que ainda não está pagando somos nós (Asplac), mas não irá demorar.”
Assim que tomou conhecimento da denúncia, a procuradora-geral do órgão, Márcia Farias, remeteu os documentos para a presidenta do TCDF, Anilcéia Luzia Machado, que designou Ronaldo Costa Couto para analisar o caso. O conselheiro optou por não se pronunciar, alegando tratar-se de uma investigação sigilosa.
Gualter me chamou (…) para avisar ao grupo (de empresários do setor) que ficassem quietos. Caso contrário iria nos causar grandes problemas”
Zilda Xavier da Costa, ex-presidenta da Asplac
Nova licitação
O Departamento de Trânsito vai abrir um novo processo licitatório para o serviço de fabricação de placas automotivas. Uma comissão já foi, inclusive, formada para elaborar o projeto da concorrência pública. Quanto às denúncias apuradas pelo TCDF, a assessoria de imprensa do Detran informou que a direção irá aguardar o resultado da investigação para tomar as providências cabíveis. O departamento salientou que a suposta fraude no credenciamento das empresas HG Comércio de Pneus e Placas para Veículos Ltda.-ME e Internacional Fabricação e Comércio de Placas Ltda. teria ocorrido na gestão anterior à do atual diretor do órgão, Geraldo Nugoli.
O ex-diretor do Detran Délio Cardoso classificou como “calúnias graves” as denúncias que envolvem o seu nome. “Não conheço ninguém dessa turma de fabricação de placas. Na minha gestão, não recebia essa categoria”, destacou. Quanto a Júlio César de Andrade, seu suposto sócio, ele afirmou que nunca teve negócios com ele. Apenas defendeu, como advogado, o irmão de Júlio César, o jogador Dimba. Para ele, a denúncia que o atinge é uma retaliação dos empresários do setor pelo fato de, na sua gestão, ter credenciado novas empresas. “Esse acontecimento sai logo na hora em que eu me lancei candidato”, explica. Ele disputará eleição para o cargo de deputado distrital pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Parceria
Apontado como sócio de Délio, Júlio César de Andrade afirmou que, há mais de um ano, deixou a sociedade da Internacional Fabricação e Comércio de Placas Ltda.. Ele também negou a parceria com o ex-diretor do Detran no negócio. “Não o vejo há muito tempo”, garante. Ele não soube dizer, no entanto, a razão para que o seu nome conste como responsável pela empresa no cadastro de pessoas físicas e jurídicas da Secretaria de Receita Federal.
O Correio também procurou os outros denunciados. Entre eles, o secretário de Transportes, Gualter Tavares Neto. Também por meio de sua assessoria, ele informou que tem conhecimento das denúncias, mas nega todas elas. Gualter não quis falar com a equipe do reportagem. Mandou avisar que já está prestando explicações à Justiça. No caso, o TCDF.
O atual presidente da Asplac, Sérgio Lúcio Silva de Andrade, desconhece as denúncias encaminhadas ao TCDF. ‘Nunca fui intimado pelo tribunal”, afirma. Ele também nega as acusações. Uma das empresas que são apontadas pelo esquema está em nome dos filhos dele. Sobre as ameaças à ex-presidenta da Asplac Zilda Xavier da Costa, ele diz desconhecer o fato. “Fui eleito em 2008 com nove votos a favor”, alega. “É normal que uma empresa que esteja dentro dos parâmetros legais da lei entre no serviço”, analisa. (AF)
Quem é quem, segundo a denúncia
Délio Cardoso
Foi diretor do Detran de janeiro de 2007 a abril de 2008, ocasião em que foram fundadas as empresas Internacional Fabricação e Comércio de Placas Ltda. e HG Comércio de Pneus e Placas para Veículos Ltda-ME.
Júlio César de Andrade
Irmão do ex-jogador de Dimba, que o apresentou a Délio Cardoso. O ex-diretor do Detran e Dimba eram sócios de uma produtora de vídeos que filmava as operações de fiscalização do Departamento de Trânsito. Júlio César é apontado como “laranja” de Délio, que seria o verdadeiro dono da Internacional Fabricação e Comércio de Placas Ltda.
Gualter Tavares Neto
Foi diretor administrativo do Detran em 2007 e hoje é secretário de Transportes do Distrito Federal
Sérgio Lúcio Silva de Andrade
Presidente da Asplac, que teria sido indicado ao cargo por Gualter
Henrique e Guilherme do Vale Andrade
São filhos de Sérgio e sócios em uma empresa de fabricação de placas — a HG Comércio de Peneus e Placas para Veículos Ltda.-ME. A empresa pertenceria, na verdade, a Gualter.