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    COOPERATIVAS SOB INVESTIGAÇÃO

    Polícia Civil e Ministério Público apuram a participação de pelo menos 40 entidades em fraude com lotes distribuídos pela Codhab

     

    Saulo Araújo/Correio Braziliense

    Carlos (à frente) está inscrito na Codhab desde a década de 1970 e foi surpreendido pela exclusão do nome dele da lista. Antônio já não tem mais esperanças - (Fotos: Rafael Ohana/CB/D.A Press)  
    Carlos (à frente) está inscrito na Codhab desde a década de 1970 e foi surpreendido pela exclusão do nome dele da lista. Antônio já não tem mais esperanças

    Pelo menos 40 cooperativas habitacionais existentes no Distrito Federal estão na mira da Polícia Civil e do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). As entidades são investigadas por suspeita de participação num esquema de venda de lotes inexistentes que teria lesado mais de mil famílias em Ceilândia, Santa Maria e Recanto das Emas. O golpe veio à tona com a deflagração esta semana da Operação Alfhein, na qual servidores, integrantes de associações habitacionais e até políticos são apontados como membros de uma quadrilha que agia desde 2007 e teria movimentado R$ 9 milhões.

    As cooperativas também podem ter participação em outra falcatrua, pela qual falsários eram contemplados com terrenos no lugar dos verdadeiros beneficiados. Enquanto as apurações avançam, moradores que estão inscritos na lista da Companhia Habitacional do Distrito Federal (Codhab) há décadas vão perdendo a esperança de conseguir realizar o sonho da casa própria. Atualmente, 360 mil pessoas aguardam para ser enquadradas em um programa de moradia do governo local.

    Maria Alves:  
    Maria Alves: “Nunca invadi terra pública, sempre procurei seguir a lei, mas o que ganhei com isso? Nada”

    O delegado que conduz o inquérito sobre o caso, Flamarion Vidal, da Divisão Especial de Crimes contra a Administração Pública (Decap), começou a analisar os quase dois mil documentos apreendidos na sede da Codhab, na última quarta-feira, e não descarta o envolvimento de mais cooperativas em esquemas fraudulentos. “São cooperativas que cobravam entre R$ 13 mil e R$ 18 mil por um lote, mas ainda não podemos apontar o nome de quais agiam de má-fé. Temos que analisar toda a pilha de documentos apreendidos e cruzar os dados com o depoimento de pessoas lesadas, entre outros detalhes”, ponderou o delegado.

    Flamarion Vidal ressaltou que o número de vítimas pode ser bem maior, já que a maioria das vítimas não denuncia. “Dessas mil famílias que suspeitamos terem caído nessa fraude, apenas três denunciaram. As pessoas sabem que agiram errado pagando por um bem público e ficam com medo de serem responsabilizadas por isso. Mas não há crime nesse caso, simplesmente porque não existe lote. Os únicos que respondem são os vendedores”, esclareceu o chefe da Decap.

    Fim de um sonho
    Enquanto os autores das supostas fraudes continuam soltos, boa parte dos candidatos inscritos na Codhab vê o sonho da casa própria ficar cada vez mais longe. É o caso do porteiro Carlos Antônio Soares Neto, 52 anos, há 34 inscrito em programas habitacionais do GDF. Quando ele se inscreveu, a Codhab nem existia — era a antiga Shis. Em 2002, Carlos foi surpreendido com a exclusão do seu nome da lista. “Tive que mostrar todos os documentos para provar que eu não tinha recebido nada. Acho que alguém recebeu no meu lugar”, lamentou o porteiro, que desembolsa R$ 600 de aluguel em São Sebastião. “Minha renda com a da minha mulher é de R$ 1.800. Pagamos aluguel, mais um monte de coisas, não sobra nada. Acho uma injustiça estar morando há tanto tempo em Brasília e até hoje não ter conseguindo um chão para eu construir minha casinha”, completou.

    Sandra (nome fictício), sobre a propina paga:  
    Sandra (nome fictício), sobre a propina paga: “Sei que agi errado”

    O amigo de Carlos, o também porteiro Antônio Gonçalves da Silva, 56 anos, está há mais tempo à espera de um imóvel. “Tenho ficha desde 1971 e até hoje, nada”. Pai de três filhos, ele não tem mais esperanças de ser contemplado. “Já desisti. Tinha um dinheirinho na poupança e usei para comprar uma casa na Estância Mestre D’Armas, em Planaltina. Pretendia usar esse dinheiro para fazer melhorias no imóvel que eu achava que ia ganhar, mas sei que isso não vai acontecer. Só ganha lote quem tem grana para pagar propina”, disse.

    O mesmo ocorreu com a auxiliar de serviços gerais Maria Alves de Oliveira, 52 anos, também inscrita desde 1976. “Nunca invadi terra pública, sempre procurei seguir a lei, mas o que ganhei com isso? Nada. Vi muitas cidades nascerem e ainda acham que eu não tenho direito a um lote.”

    Ação criminosa
    Veja os golpes que estão sendo investigados pela Polícia Civil e pelo Ministério Público e como eles funcionavam, com base no que se apurou até agora:

    • Golpe do documento falsificado
      A pessoa com alta pontuação na lista da Codhab é contemplada com lote em alguma região, mas os terrenos são destinados para endereços de estelionatários. A polícia desconfia que servidores da Codhab falsificavam a assinatura do verdadeiro beneficiado e alteravam o endereço.
    • Golpe do terreno inexistente
      Cooperativas são suspeitas de cobrarem de R$ 13 mil e R$ 18 mil por um lote em quadras que não existem. No Recanto das Emas, por exemplo, os futuros terrenos eram identificados com pinturas em árvores. A polícia estima que mil famílias tenham sido enganadas.
    • Golpe da alteração da lista da Codhab
      A polícia também investiga denúncias de que pessoas com baixa pontuação tenham pago propina para ter suas posições elevadas na lista de inscritos da Codhab.
    • Golpe das cooperativas de fachada
      Em novembro de 2006, o Correio publicou uma reportagem mostrando a existência de cooperativas de fachada. De 57 entidades cadastradas, 27 não existiam nos endereços que constavam no CNPJ. A investigação conduzida pela polícia não descarta que isso ainda ocorra nos dias de hoje.

    Liberação com propina
    O Correio conversou ontem com a auxiliar de serviços gerais Sandra (nome fictício), 42 anos, que admitiu ter pago propina para conseguir um lote no Riacho Fundo II, há cerca de 10 anos. Ela contou que estava há 12 inscrita no programa habitacional (1)do GDF, mas nunca era contemplada. “Um amigo me disse que tinha um cara no Idhab (hoje Codhab) que liberava lote mais rápido. Lembro na época que dei R$ 800 e consegui ser contemplada. Nem precisei fazer aquela peregrinação em cartório. Sei que agi errado, mas se não fosse assim, estaria na fila até hoje”.

    A Lei nº 3.877 de 2006 estabelece que 40% das terras públicas destinadas a distribuição fiquem sob a responsabilidade da Codhab. Outros 40% são destinados a cooperativas e 20% para deficientes e socorro social. Em abril último, o governador Rogério Rosso (PMDB) determinou a substituição da diretoria da Codhab. Uma das primeiras medidas tomadas pelo atual presidente, César Pessoa, foi exonerar 20 empregados por ajustes técnicos e porque eles não cumpriam expediente. Um estagiário também teve o contrato estudantil suspenso porque teria feito uma substituição de um nome na lista sem autorização.

    Cuidados
    O presidente da Associação Habitacional do Guará, Noel Cruz, diz que as pessoas precisam se cercar de cuidados antes de incluir o nome em uma entidade com esse fim. “É preciso pedir referência a alguém que esteja inscrito, verificar a situação da cooperativa na Codhab e pedir para visitar um setor residencial em que lotes ou imóveis tenham sido distribuídos por aquela cooperativa”, aconselha. (SA)

    Crimes
    Se identificados e presos, os fraudadores do programa habitacional do GDF serão indiciados por formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva e falsificação de documentos. Os servidores públicos respondem, também, por prevaricação, que consiste em praticar ato contra a administração pública em nome de interesses pessoais.

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