Na pilha de papéis, chama a atenção o material encontrado na casa e no gabinete de Domingos Lamoglia, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Distrito Federal por causa do escândalo. Lamoglia foi o assessor mais próximo de Arruda nos últimos 20 anos. Até outubro de 2009, era seu chefe de gabinete e tinha o privilégio de ser o único auxiliar com escritório na residência oficial do go-vernador. Na casa de Lamoglia, num setor de mansões em Brasília, a PF apreendeu um livro-caixa, agendas e papéis com nomes e iniciais de políticos sempre relacionados a números que, para os investigadores, se referem a valores da suposta propina.
Numa agenda de 2009, na data de 24 de agosto, os registros de possíveis pagamentos foram separados em dois grupos: “Pessoais” e “Política”. Entre os “Pessoais” aparece a anotação “Severo=450”. Seria referência a Severo de Araújo Dias, dono do haras Sparta. A PF investiga a denúncia de que o proprietário oculto do haras seja Arruda. Em um depoimento à subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, prestado em 9 de dezembro, Durval Barbosa afirmou que o haras foi comprado pelo governador como um presente para sua mulher, Flávia Arruda. Durval diz ter ouvido a confirmação do negócio de Heraldo Paupério, padrasto de Flávia e advogado do delator antes da deflagração da operação da PF.
ÉPOCA ouviu aliados e auxiliares próximos de Arruda. Sob a condição de não ser identificados, eles disseram que o verdadeiro dono do haras é Arruda. Contaram que, antes de o escândalo estourar, aos sábados pela manhã Arruda agendava compromissos oficiais em locais próximos à propriedade. Terminada a programação, o governador dispensava assessores, seguranças e motorista e seguia dirigindo o próprio carro até o haras.
No grupo “Política” há registros como “Pesquisas=100”, “Evangélicos=80” e “Fraterna=100”. Em outros documentos estão registrados pagamentos a pelo menos três institutos de pesquisa de opinião. Segundo os investigadores, “Fraterna” seria o Instituto Fraterna, ONG presidida pela mulher de Arruda. Durval afirmou ter recebido orientação do governador para usar 10% do que arrecadava de propina com em-presas de informática para financiar a entidade da primeira-dama, instalada em um espaço cedido por uma empresa estatal.
O Instituto Fraterna foi criado em abril de 2009, com o propósito declarado de reforçar ações sociais do governo. A vice-presidente é Anna Christina Kubitschek Pereira, mulher do vice-governador Paulo Octávio e neta do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Outro associado da ONG é Marcos Sant’Ana Arruda, filho do governador. Arruda afirma que o instituto não recebe recursos públicos e não tem vínculos com o governo. O gabinete do go-vernador também nega que a ONG tenha recebido dinheiro de Durval.
O material apreendido na operação Caixa de Pandora
O ACHADO: R$ 33 mil em espécie, carteira da CBF e agenda 2007 encontrados na casa de Fábio Simão, ex-chefe de gabinete de Arruda, com anotações de nomes e valores A SUSPEITA: a agenda registraria pagamentos feitos por Simão. Há um registro da cifra “R$ 17.700” ao lado do nome “Arruda” |
O ACHADO: um papel intitulado “sugestão do grupo especial, encarregado de controlar as nomeações no GDF”, apreendido na casa de Domingos Lamoglia, ex-chefe de gabinete de Arruda A SUSPEITA: o documento servia de orientação no loteamento de mais de 3.400 cargos comissionados no governo do DF para manter a base de apoio ao governador Arruda |
O ACHADO: um livro–caixa com a inscrição na capa “contas correntes”, encontrado na casa de Lamoglia. Há siglas e abreviaturas relacionadas a números A SUSPEITA: O livro mostraria pagamentos a políticos |
O ACHADO: seis folhas avulsas recolhidas na casa de Domingos Lamoglia com nomes, siglas e valores A SUSPEITA: as folhas registrariam pagamentos. Existe a anotação “Severo”, relacionada ao número 450. O delator Durval Barbosa diz que Arruda comprou o haras Sparta em nome de Severo de Araújo Dias |
O ACHADO: folhas avulsas recolhidas na casa de Lamoglia, com nomes e valores A SUSPEITA: consta a anotação “fraterna=100”. Durval Barbosa diz que propinas foram usadas para financiar o Instituto Fraterna, ONG dirigida por Flávia Arruda, primeira-dama do Distrito Federal |
Com a nomeação de Lamoglia para o Tribunal de Contas, no final de outubro Arruda nomeou Fábio Simão seu chefe de gabinete. Simão é presidente da Federação Brasiliense de Futebol e, até o escândalo, coordenador dos preparativos na cidade para a Copa do Mundo de 2014. A PF apreendeu maços de dinheiro na casa e no gabinete de Simão, comprovantes de remessas para uma conta no exterior e registros de abertura de uma empresa na Inglaterra. Também foi encontrada uma agenda com registros de pagamentos. Um deles, de 22 de janeiro de 2007, refere-se ao governador: “R$ 17.700 Arruda”. Um papel apreendido na residência oficial de Águas Claras, guardado num envelope diri-gido a Simão, com data de 23 de novembro do ano passado, tem a seguinte anotação: “1 – chefão 400, 2 – Dep Charles 100, 3 – Pesque Pague 800 e 4 – Brazlândia 1500”. Fábio Simão disse a ÉPOCA que não se recorda desse papel. Quanto ao que menciona Arruda, afirma que a agenda apreendida pertence a Evelyne Gebrim, sua sócia em uma empresa de turismo e também alvo da investigação. Em relação a contas e empresas no exterior, diz que estão declaradas no Imposto de Renda.
Com as apreensões, a PF diz ter descoberto que havia uma briga entre secretários de Arruda. Eles usariam arapongas da polícia para investigar uns aos outros. Foram encontrados relatórios que descrevem casos de corrupção em várias secretarias e estatais. Em um deles, apócrifo, que estava na casa de Lamoglia, há a informação de que a Polícia Civil fazia grampos para monitorar supostos simpatizantes do ex-governador Joaquim Roriz com cargos na administração Arruda. O autor recomenda cuidado às autoridades, pois o próprio Arruda e o vice Paulo Octávio (DEM) teriam sido flagrados nesses grampos em conversas sobre a concessão de lotes a empresas. Trata-se de um programa que dá descontos de até 90% no preço dos terrenos. Para a PF, o autor desse relatório é um dos chefes de inteligência da Polícia Civil.
O mesmo documento registra indícios de corrupção na Secretaria de Comunicação, chefiada pelo jornalista Wellington Moraes, e diz que papéis apreendidos pela Polícia Civil “comprovam desvios de recursos da área de tecnologia em contratos do atual governo”. Outro papel importante foi apreendido no gabinete de José Geraldo Maciel, chefe da Casa Civil antes do escândalo. Descreve em minúcias quem pagou e quem recebeu propina em contratos da Secretaria de Saúde quando ela esteve sob seu comando. Há papel até com uma resposta de Maciel às acusações: “Repilo com veemência qualquer insinuação de participação financeira que me seja atribuída”. Essas afirmações soam como galhofa diante dos vídeos em que Maciel aparece acertando distribuição de propina.
No gabinete de Maciel, a PF apreendeu uma carta escrita por ele – com data de 14 de janeiro de 2009 e endereçada ao governador – que serve como amostra de como são feitos negócios com dinheiro público em Brasília. Maciel se refere a uma conversa que teve com Arruda para acertar a escolha, em uma licitação dirigida, de uma instituição privada para criar infovias de transmissão de dados em Brasília. A beneficiada seria a Fundação Gonçalves Lêdo, entidade dirigida por maçons e investigada pelo Ministério Público por outro contrato com o governo, conforme ÉPOCA revelou em maio. É um negócio com custo estimado em R$ 200 milhões. “A Gonçalves Lêdo tem tudo para sair vitoriosa e está com um canal aberto junto à Presidência da República para trazer inicialmente cerca de R$ 100 milhões para esse projeto (e só ela poderá trazer esse dinheiro)”, escreveu Maciel. Com o surgimento das suspeitas, o Projeto Infovias ficou parado. O presidente da Gonçalves Lêdo, Manoel Tavares, admitiu que a instituição prospectou contratos na área de tecnologia, mas desconhece ações com a Presidência da República. “Estou interessado só na parte filantrópica da fundação. É uma coisa distinta do que está colocada nessa carta. Se houver coisa desse tipo, estou fora”, diz.
No fundo falso de uma gaveta na mesa de Durval Barbosa na Secretaria de Relações Institucionais, a PF encontrou uma planilha com registros das datas de pagamentos do governo a empresas de informática. Em depoimento, Durval disse que usava a planilha para prestar contas a Arruda da propina arrecadada. Quem não pagasse propina em dia, afirma ele, seria punido com uma ordem do gover-nador ao secretário da Fazenda para a suspensão dos respasses previstos nos contratos.
Em resposta a ÉPOCA, a assessoria do governador diz que Arruda não vai se pronunciar sobre “papéis” e “anotações” de terceiros. “Os advogados do governador não tiveram acesso ao inteiro teor do inquérito. Pelo que se depreende das perguntas formuladas, órgãos de imprensa podem ter tido acesso a material que não foi disponibilizado para os advogados, o que, em tese, fere o segredo do inquérito determinado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça)”, afirma a nota.
José Geraldo Maciel disse a ÉPOCA que soube da existência do Projeto Infovias por meio de outro secretário do DF e o defendeu por considerá-lo importante. Em relação ao documento sobre corrupção na Secretaria de Saúde, afirmou que não identificou seu autor. Quanto às anotações com iniciais de nomes de deputados distritais, disse que era uma maneira de registrar a presença de parlamentares governistas no plenário da Câmara Legislativa. Domingos Lamoglia não quis se manifestar.
Manifestações contra Arruda em Brasília são reprimidas com violência pela polícia. O governador se apoia nos deputados, mas pode perder o cargo na Justiça
Para permanecer no cargo até o fim do mandato, em dezembro, Arruda tem pela frente uma corrida de obstáculos. Na semana passada, a Câmara Legislativa voltou do recesso tendo como pauta única o escândalo da Caixa de Pandora. Na reabertura dos trabalhos, não foi permitida a entrada de manifestantes. Integrantes do movimento Fora, Arruda tentaram, mas foram retirados a força e arrastados pelo gramado por policiais militares, cenas comuns em Brasília desde o início do escândalo. Dois trios elétricos puxavam os coros pró e contra Arruda. Sem plateia, os deputados aliados do governador escolheram colegas governistas para comandar as investigações.
Arruda tem dito a auxiliares que sairá ileso da apuração dos deputados. Pode estar certo. Pelo menos oito dos 24 parlamentares – entre eles o presidente Leonardo Prudente, flagrado em vídeo guardando dinheiro nas meias – estão sob investigação no inquérito aberto no STJ. Outros 11 mantêm apoio a Arruda, aparentemente em troca de verbas e cargos. Uma planilha apreendida pela PF mostra que cada um dos 19 deputados aliados teve direito a 80 cargos comissionados (leia o quadro na próxima pág.).
A expectativa de Arruda é que, no começo de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decida manter a interpretação de que governadores só podem ser processados com autorização das assembleias estaduais. Arruda aposta na pressão sobre o STF por parte de outros governadores que não gostariam de abrir esse precedente. Nesse caso, Arruda pode estar errado. O presidente do STF, Gilmar Mendes, disse a interlocutores que a maioria de seus colegas está decidida a rever a jurisprudência e declarar inconstitucionais as leis que exigem aprovação prévia das assembleias.
Fontes de ÉPOCA dizem ter ouvido de ministros de tribunais superiores que, após a decisão do STF, o Ministério Público Federal pretende entrar com uma ação de improbidade administrativa contra Arruda, acompanhada de um pedido de afastamento do governador, do vice, Paulo Octávio, e do deputado Leonardo Prudente. Como os investigadores dizem possuir indícios consistentes de que o governador está tentando obstruir a apuração, se Arruda for mesmo afastado corre risco de uma troca significativa de endereço: de Águas Claras para uma cela especial na Polícia Federal.Leia mais em Época (se conseguir enocntrar alguma nas bancas).