Benedito Domingos é deputado distrital e já foi vice-governador do Distrito Federal. Foi mencionado nas investigações realizadas na operação denominada Caixa de Pandora como um dos destinatários das verbas do mensalão do DEMO para apoiar a candidatura de José Roberto Arruda. No dia 03.11.2009 perdeu os direitos políticos, pois foi condenado em ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal. Confira a sentença.
Ação : CIVIL PUBLICA
Autor : MPDFT MINISTERIO PUBLICO DO DF E DOS TERRITORIOS
Réu : BENEDITO DOMINGOS e outros
Sustenta o Ministério Público que houve ação de fiscalização de concessionárias de automóveis no Pistão Sul, que estendeu-se da QSA até a CSG de Taguatinga, visando coibir a atividade de revenda de veículos na área, que resultava em desordem urbana, bem como ao fato das concessionárias, em sua maioria, exerceram a atividade de forma irregular, sem alvará de funcionamento. Ocorre que, após a atividade de fiscalização, os réus autorizaram o funcionamento dos estabelecimentos comerciais em questão sem alvarás, em 2 de agosto de 2007, por sessenta dias. Após, deixaram de instar a Subsecretaria de Fiscalização para que retomasse a ação fiscal, ao constatar que os comerciantes não haviam providenciado a regularização de seus estabelecimentos ou cumprido os termos do acordo feito. Por fim, quando houve nova fiscalização, emitiram alvarás em desacordo com a legislação, sem número de ordem e sem referência a processo administrativo. Desta forma, entende o autor que os réus estão incursos nos incisos I e II do artigo 11 da Lei n.º 8.429/1992.
Requer, em sede de liminar “para determinar aos réus a imposição da obrigação de fazer e não fazer consistente na abstenção de concessão de novos alvarás ou quaisquer tipos de autorizações de funcionamento em desacordo com a Lei n.º 1.171/96, seu decreto regulamentador (…) sob pena de cominação de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada ato praticado em desacordo com as normas acima mencionadas.
Em sede definitiva, pede a condenação dos réus, solidariamente, nos termos do artigo 12, inciso III, da Lei 8.429/1992, pela prática de atos de improbidade administrativa descritos no artigo 11, incisos I e II, nas seguintes cominações: perda do cargo/função pública; suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil a ser arbitrada pelo juízo; proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários. Juntou documentos autuados em dois volumes apartados, numerados de 2 a 585.
Decisão interlocutória a fls. 25.
Notificação de JEOVANIO DIAS MONTEIRO e de BENEDITO AUGUSTO DOMINGOS a fls. 30.
Manifestou-se por escrito o requerido BENEDITO AUGUSTO DOMINGOS a fls. 32/49. Alega, em preliminar, a ilegitimidade ativa do MP, e, no mérito, contesta a versão dos fatos apresentados pelo MP, bem como sua conseqüência jurídica, pugnando pela rejeição da inicial. Juntou documentos (fls. 50/180).
Manifestou-se em fls. 181/197 o requerido JEOVÂNIO DIAS MONTEIRO. Alega, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do MP, impugnando, no mérito, os fatos apresentados na presente ação, bem como a conseqüência jurídica a ele imputada. Juntou documentos (fls. 198/300).
Decisão (fls. 302/304) admitindo a ação de improbidade e concedendo a liminar para que os réus se abstenham de conceder autorização, licença ou alvará para funcionamento de empresas de revenda de automóveis na região administrativa de Taguatinga/DF.
Contestação oferecida pelo réu JEOVÂNIO DIAS MONTEIRO em fls. 319/338. Pede o reconhecimento de ilegitimidade ativa do MP e, no mérito, impugna os termos da inicial, requerendo a improcedência da ação.
Em fls. 349 o Distrito Federal ofereceu contestação (fls. 349/371) alegando, preliminarmente, conexão com processo tramitando na 7ª Vara de Fazenda Pública do DF, o indeferimento parcial da inicial. No mérito, impugna os fatos e conseqüências jurídicas aduzidos na inicial. Juntou documentos (fls. 372/480).
A fls. 482/500 o réu BENEDITO AUGUSTO DOMINGOS ofereceu contestação, alegando, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do MP e, no mérito, impugna os termos da inicial, requerendo a improcedência da ação.
Petição do Distrito Federal (fls. 502/524) informando sobre interposição de agravo de instrumento contra decisão de fls. 302/304.
O MP apresentou réplica (fls. 526/541), refutando a preliminar de ilegitimidade passiva, bem como a de conexão, oferecida pelo ente estatal. No mérito, pede a procedência da ação e o julgamento antecipado da lide. Juntou documentos (fls. 541/710).
Petição do Distrito Federal a fls. 713/715 pugnando pela extinção do processo sem resolução de mérito. Juntou documentos (fls. 716/742).
Petição do Distrito Federal a fls. 751/753.
Petição do requerido BENEDITO AUGUSTO DOMINGOS a fls. 754/756, impugnando a réplica oferecida e pedindo extinção do processo sem resolução do mérito, na forma do art. 267, VI, CPC. Juntou documentos (fls. 757/758).
Petição do requerido JEOVÂNIO DIAS MONTEIRO acerca da produção de provas (fls. 760).
Manifestaç
Petição do Distrito Federal a fls. 774 salientando não ter provas a produzir.
Cópia de decisão em agravo de instrumento a fls. 776/786.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
Versando a presente ação sobre matéria de direito e de fato e revelando-se a prova como exclusivamente documental, toma assento o julgamento antecipado da lide (art. 330, I, CPC.). O feito encontra-se maduro para julgamento, não sendo necessária a produção de prova em audiência de instrução.
DAS PRELIMINARES:
Inicialmente, o Distrito Federal suscitou a existência de conexão com outra ação em tramitação junto à 3ª Vara de Fazenda Pública do DF. Com efeito, os objetos de ambas as ações são distintos, como bem salientou o membro oficiante do MP neste processo. A ação em tramitação na 3ª Vara de Fazenda tem como escopo impedir a concessão de alvarás precários pelo Distrito Federal em determinadas circunstâncias. A causa em tela, por outro lado, visa à punição de atos administrativos praticados em desacordo com a legislação por ato de improbidade administrativa. Diferentes, portanto o pedido (objeto) e a causa de pedir. Desta forma, não há que se falar em conexão.
Pugnam o Distrito Federal e o primeiro requerido pela extinção do feito sem resolução do mérito, na forma do art. 267, VI, CPC, fundamentando sua tese na perda de interesse de agir superveniente, por revogação da legislação em desacordo da qual os atos foram praticados.
Ocorre que o processo de improbidade administrativa tem natureza civil. Com efeito, no direito penal, a revogação da norma incriminadora tem o condão de ocasionar a abolitio criminis. Temos, contudo, que não houve revogação da Lei nº 8.429/92, que seria a efetiva norma que disciplina os atos de improbidade. Da mesma forma, o ato de improbidade administrativa não tem natureza penal. Ao contrário, suas sanções são civis.
Ainda, ressalte-se também que a revogação de norma impositiva de caráter administrativo não faz com que os atos praticados em desacordo com ela sejam convalidados. Permanecem eivados de nulidade, sanção que a lei estabelece para os defeitos de legalidade. Da mesma forma, não se revogam suas conseqüências jurídicas. A violação ao princípio da legalidade, ao qual o administrador é severamente instado, é violação grave dos seus deveres, especialmente ao se recordar que a Administração só é lícito fazer o que a lei determina. Desta maneira, não há que se falar em perda do objeto da ação e conseqüente extinção sem resolução do mérito.
A este respeito, confira-se julgado do E.TJRS, no mesmo sentido:
EMENTA: AÇÃO CIVIL PUBLICA – ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ¿ PRELIMINARES REJEITADAS ¿ PENALIDADES ¿ MANTIDAS. 1. Desacolhe-se a postulada extinção do feito pela ocorrência de fato superveniente, visto que a decisão proferida pelo STF na Reclamação 2.138-6 não possui efeito vinculante, mas tão-somente eficácia inter partes, não havendo razão para ser determinada a extinção da ação em face do réu. 2. Inépcia da inicial. Foram trazidos todos os elementos suficientes para a caracterização da improbidade administrativa, não havendo motivos para o acolhimento da pretensão. 3. Cerceamento de defesa. Devidamente analisadas as provas, bem como oportunizada a sua produção. Não tendo o réu recorrido em momento oportuno, a matéria se encontra preclusa. 4. Impossibilidade jurídica do pedido. A legislação aplicável ao caso estava em pleno vigor a época do cometimento da infração. 5. Condenação dos réus pelos atos de improbidade administrativa por irregularidades na construção de obras, sem autorização. Inobservância do plano diretor, bem como aplicação da multa com índices ultrapassados. 6. Pretensão recursal do Ministério Público de enquadramento no art. 10, VII, para imposição das penalidades previstas no art. 12, II, da Lei 8429/92. Manutenção da sentença apelada, em face das peculiaridades do caso. APELOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70017794520, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Carlos Branco Cardoso, Julgado em 17/12/2008)
Outra preliminar suscitada pelas partes diz respeito à legitimidade ativa do Ministério Público. Com efeito, a Constituição, em seu art. 129, III, diz que compete ao Ministério Público “promover o inquérito civil e ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Ressalte-se que daí depreende-se a legitimidade ativa do Ministério Público, mesmo porque o respeito aos princípios da Administração e à moralidade pública é interesse difuso, do qual é titular toda a coletividade.
Da mesma forma, o art. 5º, I da Lei 7.347/85 e o art. 17 da Lei 8.429/92 dão ao Ministério Público legiti
midade para intentar com a ação. Não existe nenhuma vedação legal à propositura de ação de improbidade com fundamento no art. 11 da Lei 8.429/92, e nem poderia, diante do texto expresso da Constituição.
O § 4ª do art. 17 obriga ao MP, quando não for parte, intervir no processo sob pena de nulidade. Ressalta que a presença do membro do parquet é imprescindível à ação que visa responsabilizar por improbidade o agente ímprobo, de maneira que descabe qualquer alegação de ilegimidade ativa.
Ainda, ressalte-se o texto expresso do art. 25, IV, “b” da Lei 8.625/1993 que estabelece que “Além das funções previstas na Constituição Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda ao Ministério Público: IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei; b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem.” No mesmo sentido, o art. 6º, VII, da Lei Complementar 75/1993, que rege as atribuições do MPDFT: “Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para: a) a proteção dos direitos constitucionais; b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor; d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.”
A este respeito, a jurisprudência é pacífica, de forma que colaciono dois julgados do E. TJ/RJ:
Agravo de Instrumento. Decisão proferida pela MM. Juíza da Vara Única da Comarca de Casimiro de Abreu que, em Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, estando presentes as condições para o regular exercício do direito de ação, recebeu a inicial e determinou a citação dos Réus, na forma do art.17, §9º, da Lei nº 8.429/92. Decisão recorrida que se mostra fundamentada, conquanto concisamente. Via eleita adequada, conforme ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais. Legitimidade ativa do Ministério Público decorrente da Constituição e de Leis Ordinárias (art.129, III, CR. 5º, I, Lei nº 7437/85; 17 da Lei nº8249/92). Indícios da prática de atos de improbidade administrativa. Aplicação do princípio in dubio pro societate. Decisão que se mantém. Desprovimento do recurso. (2008.002.07315 – AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. JOSE CARLOS VARANDA – Julgamento: 24/06/2009 – DECIMA CAMARA CIVEL)
DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. Agravo de instrumento interposto por vereadora contra decisão que, nos autos da ação civil pública por atos de improbidade administrativa ajuizada pelo parquet contra si e contra seu marido, prefeito do mesmo Município, concedeu em parte a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, determinando a indisponibilidade dos bens de ambos os réus. 1. Há de se afastar a argüição de litispendência e conexão com a ação cautelar de seqüestro dos bens previamente proposta pelo agravado, por ser o pedido da ação originária deste recurso muito mais amplo que o daquela, a qual tinha por escopo tão-somente seqüestrar os automóveis adquiridos pelos réus. 2. Também não merecem prevalecer as alegações quanto à ilegitimidade ativa e à de falta de interesse de agir do parquet, eis ser indiscutível a legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública por atos de improbidade administrativa, em defesa do patrimônio público e dos interesses sociais, sendo ela a adequada para defesa dos interesses tutelados pela Lei 7.357/85. 3. A inclusão da agravante no pólo passivo da demanda decorre tanto de expressa previsão legal (art. 3.º, da Lei 8.429/92), quanto do regime de bens do matrimônio, posto que, como esposa do primeiro réu e, portanto, meeira de todos os bens adquiridos após o casamento, sejam eles de origem lícita ou ilícita, presente está a comunhão de interesses entre os demandados, a acarretar a aplicabilidade do disposto no art. 47 do CPC à hipótese dos autos. 4. Ademais, percebe-se a existência de indícios de atos indicativos de improbidade, a ensejarem a preservação da medida acautelatória de indisponibilidade dos bens ora atacada .5. O ato agravado não é de molde a merecer censura, estando ao abrigo da Súmula 58 deste Tribunal. 6. Recurso ao qual se nega provimento. Unânime. (2007.002.14189 – AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. FERNANDO FOCH LEMOS – Julgamento: 05/02/2009 – TERCEIRA CAMARA CIVEL)
Desta forma, perfeitamente configurada está a legitimidade ativa do MP, não havendo coerência, ainda, na alegação de que é necessária medida cautelar de indisponibilidade de bens para propositura da ação, na forma do art. 17 da Lei de Improbidade. É manifesto o despropósito da alegaç
ão, sendo apenas um marco temporal caso haja a referida cautelar de natureza restritiva, que não se aplica ao caso de responsabilização pelo art. 11. Caso entendesse desta forma, concluir-se-ia que haveria impunidade nos casos de desrespeito a princípios da Administração, de forma a imaginar ser letra morta o trabalho do legislador em elencá-los como atos de improbidade administrativa.
Desta forma, superadas as preliminares alegadas, passa-se ao exame do mérito da presente ação civil pública.
DO MÉRITO:
A ação proposta pelo Ministério Público visa apurar de atos de improbidade em violação aos princípios administrativos imputados aos dois réus. O cerne da questão resume-se a três fatos: a celebração de um “Termo de Ajustamento de Conduta”, de forma irregular (fls. 133 do V.1 de Documentos), que teria desautorizado a atividade fiscalizatória empreendida; a omissão, ao cabo de sessenta dias, em suscitar a Subsecretaria de Fiscalização para apurar as irregularidades; a expedição de alvarás precários sem número de série e de processo administrativo correspondente, imediatamente após nova ação fiscal da referida Subsecretaria. Impende fazer a análise dos documentos acostados aos autos, referente a cada um destes fatos discutidos.
Inicialmente, há irregularidades no “Termo de Ajustamento de Conduta” celebrado. O referido acordo deveria ter sido celebrado pela pessoa jurídica de direito público correspondente (O DF – art. 5º, III c/c § 6º da Lei 7.347/1985), não mero órgão autônomo sem personalidade jurídica, como a Administração Regional. Esta não tem qualquer legitimidade para proposição de ação judicial correspondente, de forma que não poderia ter praticado tal ato. Outra irregularidade patente é que não houve qualquer comprometimento por parte das concessionárias em situação irregular. A assinatura do documento, como nele consta, foi celebrada por Presidente de Associação. Este carece de qualquer legitimidade, já que os compromissos assumidos não diziam respeito à associação, mas a eventuais membros que não haviam regularizado seu funcionamento, caso considerasse ser possível a celebração deste TAC. Em síntese, eventual ação por descumprimento do “Termo” seria suportado por terceiros estranhos a este instrumento. Levando-se em conta as características do TAC, que é título executivo extrajudicial (art. 5º, § 6º, Lei 7.347/1985), não pode ser assumido por quem não tem legitimidade para solucionar a irregularidade verificada. Desta forma, tomamos os primeiros defeitos deste ato jurídico: a ilegitimidade das partes para acordá-lo.
Da mesma forma, o Termo de Ajustamento de Conduta deverá ser tomado pelos órgãos legitimados, assumindo os interessados o ajustamento de suas condutas às exigências legais, mediante cominações, tendo eficácia de título executivo extrajudicial. Esta é a disposição expressa do art. 5º, § 6º da Lei de Ação Civil Pública. O documento de fls. 133 (apenso I de documentos) apenas refere-se a não ocupação irregular da pista e à obrigação de providenciar a documentação no prazo de 60 (sessenta dias) para concessão de alvará. Não existe qualquer referência a eventuais punições pelo descumprimento. Esta peculiaridade, da mesma forma que as discutidas no parágrafo anterior, mais uma vez descaracteriza a condição de “Termo de Ajustamento de Conduta” que os réus procuram lhe dar. O documento é sem valor, pois tomado por partes que não o poderiam fazer e em descumprimento às cominações legais vigentes.
A celebração deste acordo pelos dois réus, que o assinaram, consiste em clara violação ao princípio constitucional da legalidade, da impessoalidade, já que praticado com manifesta intenção de beneficiar os infratores e permitir-lhes continuar a desenvolver atividade econômica de forma irregular. Tais princípios tem assento constitucional no art. 37, caput, sendo de observância obrigatória pelo servidor e agente público.
Há, desta forma, incursão no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992 e também no seu inciso I, pois a finalidade do ato foi diversa da prevista em lei (7.437/1985 e Lei distrital 1.171/1996), e violou os princípios da legalidade, imparcialidade e lealdade às instituições. A primeira cominação justifica-se pela desobediência do mecanismo norteador do Termo de Ajustamento de Conduta, bem como burla ao procedimento de concessões de alvarás previstos na lei distrital. A segunda, pela violação dos princípios aludidos, já que a atuação dos requeridos desautorizou a fiscalização perpetrada pelo próprio Distrito Federal, consubstanciando deslealdade às instituições. Da mesma forma, foi ilegal e parcial, já que buscou o benefício de determinados comerciantes em detrimento do interesse público, consistente este na regularidade e respeito às prescrições legais por todos que exploram comércio ou atividade.
Com relação à omissão ao cabo do prazo constante no acordo de fls. 133 (apenso I de documentos), vale lembrar que o “Termo de Ajustamento de Conduta” não vem revestido dos requisitos bá
sicos de sua existência, sendo de nenhum valor os compromissos ali tomados. Desta forma, o acionamento da subsecretaria de fiscalização deveria ter sido imediata, pois cabe à própria Administração verificar a legalidade de seus atos e anulá-los, conforme Súmula 473 do STF. Ainda assim, percebe-se que não houve qualquer empenho dos requeridos em instar a subsecretaria de fiscalização para retomada das ações fiscais. Tais fatos sequer são negados pelos réus. Desta maneira, percebe-se a implementação do ato de improbidade constante no art. 11, II, da Lei 8.429/92.
A administração regional, enquanto responsável pela concessão dos alvarás deveria ter verificado, ao término do prazo, ou constatação (que supõe-se imediata) da flagrante ilegalidade da “autorização” concedida no malfadado TAC, o descumprimento da obrigação de requerer o alvará. Sendo assim, conseqüentemente, deveriam ter comunicado à subsecretaria de fiscalização para retomada das ações já perpetradas. Os requeridos juntaram diversos processos administrativos que serão posteriormente avaliados. Ocorre que numerosas das empresas interditadas e beneficiadas pelo ato de fls. 133 (apenso I de documentos) não ingressaram com procedimento administrativo para regularização, já que somente alguns foram juntados aos autos. Exemplo é a empresa “JW VEÍCULOS LTDA”, interditada por exercício de atividade econômica sem alvará de funcionamento (fls. 130, do apenso I de documentos). Desta forma, houve omissão imputável aos requeridos, em especial ao primeiro, por não alertar ao ente fiscalizatório para que reiterasse a punição.
Cumpre agora fazer análise dos alvarás precários concedidos por ambos os requeridos no dia 18 de janeiro de 2008, o dia da segunda ação fiscal realizada pela Subsecretaria de Fiscalização. As cópias destes alvarás estão anexadas a este processo (fls. 302, 321, 372, 378, 383, 390, 392, 412, 418, 423, 430, 432, 461, 465, 471, 474, 480, 498, 499, 500, 503, 511, 522, 526, 532, 535, 541, 544, 545). A discussão está centrada na regularidade e possibilidade jurídica da concessão destes alvarás.
Inicialmente, cumpre verificar que a lei 1.171/1996 e seu decreto regulamentador (dec. 17.773/1996) impõe determinados requisitos para concessão de alvará. Não é possível a concessão de alvará provisório, mas somente o precário, respeitados os termos do art. 6º da lei e da decisão na ADI 2006 00 2 005211-6 do TJDFT. Desta forma, ele só seria possível quando desatendidas parcialmente as exigências quanto a regularidade da edificação, nada consta da fiscalização da Administração Regional e situação de funcionamento da atividade. A situação apresentada não está de acordo com qualquer destas exceções. De toda forma, tais alvarás foram concedidos por 180 dias, em desacordo com o decreto, no seu art. 25, que prevê expressamente quais os prazos a serem respeitados.
As exigências desatendidas foram relativas ao regular processo administrativo e a exigências postas pela lei, de fiscalização dos órgãos cabíveis. Em tais casos, não cabe a concessão deste tipo de alvará. Da mesma forma, a lei fala em desatendimento parcial, não total, das exigências que ela refere.
Os alvarás a título precário concedidos vieram todos sem número de ordem no cabeçalho e sem referência ao número do processo administrativo na seção de “observações”. O alvará de fls. 111 do apenso I de documentos, da mesma administração regional e também a título precário, porém regular, apresenta estes requisitos. Há referência, ainda, à lei que rege a concessão de alvarás e ao decreto, para justificar o prazo concedido a título precário. Somente a ausência destes elementos já demonstra a condição de irregularidade do referido documento. Ressalte-se, mais uma vez, por oportuno, que os alvarás concedidos a título precário objetos deste processo não estão fulcrados nas hipóteses previstas na legislação de referência.
Os requeridos juntaram diversos processos administrativos que afirmam que teriam fundamentado tais alvarás. Apesar de não terem sido apresentado todos, de maneira que fica demonstrado que existiram alvarás emitidos sem processo administrativo, em violação à lei, os que estão anexados aos autos apresentam contradições, no mínimo, curiosas.
O procedimento referente à concessionária VISA AUTOMÓVEIS (fls. 83-119) apresenta as seguintes irregularidades: existência de débito junto à SUFIS (fls. 84 – carimbo); carimbo a fls. 109 constando a reprovação na vistoria do Corpo de Bombeiros do DF. Da mesma forma, não consta qualquer regularização destes requisitos nos autos do processo. Ainda assim, o último ato (fls. 114), a inspeção da polícia civil data de 21 de setembro de 2007. Contudo, somente em 18 de janeiro de 2007, após a ação de fiscalização, na mesma data, foi concedido o alvará irregular a título precário (fls. 119). Ressalte-se, por fim, que no verso de fls. 119 existe um recibo do original do alvará de funcionamento datado de 18 de janeiro de 2007.
A GRID COMÉRCIO E SERVIÇOS DE
VEÍCULOS NOVOS E USADOS LTDA. (fls. 120 a 162) teria requerido em 27 de junho de 2007 o alvará de funcionamento. No dia imediatamente subseqüente já havia carta-consulta da subsecretaria de meio ambiente opinando favoravelmente (fls. 150). Em 16 de julho de 2007, havia ofício do DETRAN/DF informando que deveria ser pedida junto ao DER/DF a vistoria para concessão do alvará. Ocorre que não foi providenciada a vistoria junto ao DER/DF, sendo tal fato utilizado para concessão do alvará no mesmo dia 18 de janeiro de 2008. Ainda, a observação de fls. 159 verso, do dia 08 de agosto de 2007, refere-se a concessão de alvará por 180 dias, “conforme despacho de fls. 42” (fls. 161 deste processo). Este despacho de fls. 42, como se pode observar, data de 11 de janeiro de 2008. A incongruência é clara, demonstrando que tal processo administrativo efetivamente foi forjado, não tendo ocorrido conforme o trâmite regular e necessário para concessão do alvará.
A análise dos documentos juntados aos autos somente reforça a existência dos atos questionados, sem a devida observância do devido processo administrativo. A expedição de alvará sem fundamento legal e em contrariedade às normas vigentes (art. 6º da Lei Distrital 1.171/96 e art. 25 do Decreto 17.773/96) demonstra claro desrespeito ao princípio da legalidade, bem como o desvio de finalidade caracterizado no art. 11, I, da Lei 8.429/92.
A prática de tais condutas, ainda, não foi desavisada, diante de recomendação da SUCAR mencionada nos autos, para que não fossem concedidos alvarás na localidade, bem como duas recomendações do MPDFT (fls. 205 a 212) no mesmo sentido. Não há sequer como afastar o dolo das condutas, diante das características das ações irregulares perpetradas.
Os requeridos alegam, ainda, que a recomendação foi revogada, como se fosse pura e simplesmente por violação a esta norma que estivesse sendo ajuizada a presente ação. O objeto deste processo é o desrespeito a princípios administrativos, notadamente o da legalidade, ao qual está atrelado de forma inarredável o administrador público.
Desta forma, comprovados os atos questionados pelo MPDFT na inicial, deve-se analisar as conseqüências jurídicas deles resultantes. Houve prática dos atos referidos no art. 11, caput, e seus incisos I e II. A violação ao caput perpetrada pelos requeridos deu-se ao desrespeito à legalidade, com celebração de TAC para o qual não tinha competência, e em desrespeito as formalidades legais, em confronto com o art. 5º, § 6º, da Lei de Ação Civil Pública, bem como desrespeito às normas do art. 6º, da Lei Distrital 1.171/96. Desrespeitou-se ainda os princípios da impessoalidade, já que as ações foram perpetradas com o objetivo de beneficiar determinados comerciantes específicos, em detrimento do interesse público. A lealdade às instituições mencionada no dispositivo legal, pelo mesmo motivo, foi ignorada completamente pelos requeridos, ao deslegitimar a atuação do próprio Distrito Federal, em sua função fiscalizadora.
Da mesma forma, ficou demonstrada nas primeira e terceira ação dos requeridos, ao celebrarem o suposto TAC e concederem os alvarás irregulares, a prática de ato visando fim proibido pela lei, qual seja, beneficiar comerciantes em situação flagrantemente irregular, desrespeitando os procedimentos exigidos pela legislação, configurando-se os atos de improbidades descritos no art. 11, I, da L.Imp..
Ainda, demonstrou-se que, ao não suscitarem a fiscalização pelo menos ao fim do prazo do TAC, que sequer tinha efeito no mundo jurídico, omitiram-se de forma ilegal, furtando-se aos princípios que regem a atividade de administrador público. Este fato se amolda, desta maneira, a descrição do art. 11, II da Lei 8.429/92.
O prejuízo foi suportado pela população do Distrito Federal, em virtude da flagrante agressão ao meio ambiente urbano, que continuou em virtude dos atos e omissões dos requeridos, afetando direito difusos, titularizado por toda a coletividade. Ainda, o próprio interesse público restou agredido, pela negação de dispositivos legais e do próprio interesse da Administração, com a prática de condutas que lhe são contrários.
O dolo é demonstrado pelas próprias declarações dos requeridos, que buscam a todo tempo nos autos legitimar os atos praticados, ainda que estejam em flagrante desobediência ao previsto em lei. Contudo, não há como refutar que é de conhecimento público os requisitos para convencionar-se o TAC, ou a ilegitimidade dos réus para tal. Os próprios réus já expediram alvarás em situação regular, obedecendo os ditames legais, restando certo que agiram imbuídos de dolo ao expedir os alvarás precários objetos deste processo. Por fim, por sua função e pela grande repercussão da ação fiscalizadora de agosto de 2007, tinham conhecimento das irregularidades existentes, bem como do TAC irregular e seu prazo de validade, demonstrando a intenção de omitir-se em suscitar a intervenção fiscalizatória.
Anote-se a lição autorizada de Emerson Garcia e R
ogério Pacheco Alves, em seu livro “Improbidade Administrativa” (Ed. Lúmen Júris, 4ª edição, pgs. 255/256) acerca dos atos de improbidades do art. 11:
Ante a natureza e a importância dos interesses passíveis de serem lesados pelos ímprobos, afigura-se louvável a técnica adotada pelos arts. 4º e 11 da Lei 8.429/1992, preceitos em que a violação aos princípios regentes da atividade estatal, ainda que daí não resulte dano ao erário, consubstanciará ato de improbidade. Deve-se observar, ainda, que referidos dispositivos da Lei nº 8.429 apresentam-se como verdadeiras normas de integração de eficácia da Constituição da República, pois os princípios por eles tutelados há muito foram consagrados nesta. Na sistemática da Lei de Improbidade, o dever jurídico de observar os princípios regentes da atividade estatal é inicialmente visualizado em seu art.4º.
Diante da comprovação dos atos narrados pelo Ministério Público, submetem-se os requeridos às penas previstas no art. 12, III da Lei 8.429/92, majorando-se além do mínimo devido à extensão do dano causado. Esta pode ser demonstrada pela necessidade de nova fiscalização, bem como pelas dificuldades adicionais imputadas à atividade fiscalizadora, bem como à ordem pública, prejudicada pelas sucessivas “autorizações” ilegais concedidas pelos requeridos. Estas resultaram na perpetuação da desordem urbana na região do Pistão Sul de Taguatinga, constituindo agressão ao meio ambiente urbano. Acrescente-se, ainda, que a atividade irregular continuou causando transtorno por pelo menos cinco meses após a primeira fiscalização, em virtude da reprovável atitude dos réus.
Tais penas devem ser estabelecidas com base na proporcionalidade, na lição dos mesmos autorizados doutrinadores supracitados (pg.487), verbis:
Apesar disso, diversamente ao que se verifica na seara penal, em que qualquer aumento da dosimetria das sanções deve ser devidamente justificado, aqui, o órgão jurisdicional realizará operação inversa, sendo necessário que decline os motivos que o levaram a suprimir determinada sanção do feixe que aplicou ao agente. Indicando a letra da lei que as sanções devem ser cumulativas, a atenuação do rigor legal deve necessariamente buscar amparo no texto constitucional, cumprindo ao órgão jurisdicional declinar os fundamentos que conduziram à alegada interpretação conforme à Constituição. (…) Além do elemento volitivo, deve ser analisada a consecução do interesse público, o qual foi erigido à categoria de princípio fundamental pela Constituição da República (art. 3º, IV). Em sendo parcialmente atingido o interesse público, afigura-se igualmente desproporcional que ao agente sejam aplicadas as mesmas reprimendas destinadas àquele que se afastou integralmente de tal fim, logo, em hipóteses tais, as sanções aplicadas também deverão variar conforme a maior ou menor consecução do interesse público.
Desta forma, analisando-se a intensidade do dolo, já explorada, bem como o total afastamento do interesse público, necessária a aplicação de penas rigorosas. Isto porque obraram os réus única e exclusivamente em favor de interesses particulares, violando o interesse público, consistente na proteção ao meio ambiente urbano e regularidade das atividades. A alegada proteção à atividade econômica e manutenção de empregos não procede, pois bastaria a regularização e conformação dos autuados ao regramento legal que estas finalidades seriam prestigiadas. Agiram, ao contrário, em proteção a velhas práticas particulares que furtam-se à regularidade com o fito de privilegiar interesses individuais em detrimento do bem-estar da sociedade.
DO DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação civil pública e DECRETO a perda da função pública dos requeridos BENEDITO AUGUSTO DOMINGOS e JEOVÂNCIO DIAS MONTEIRO.
DECRETO, ainda, a suspensão dos direitos políticos por quatro anos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de quatro anos.
CONDENO, ainda, ao pagamento de multa civil correspondente a 50 vezes o valor da maior remuneração mensal percebida pelos requeridos, pelo período em que ocuparam cargos na Administração Regional de Taguatinga.
Condeno, ainda, os requeridos nas custas, sem honorários advocatícios.
Transitada em julgado, dê-se baixa na Distribuição e arquive-se.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Brasília – DF, terça-feira, 03/11/2009 às 17h45.
Mário José de Assis Pegado
Juiz de Direito Substituto do DF