Procurador sustenta que Glenn teve “participação auxiliar no delito”
Pepita Ortega E Fausto Macedo – Estadão/Tribuna Da Internet –
A Associação Nacional de Membros do Ministério Público, MP Pró-Sociedade, que reúne promotores e procuradores linha dura, emitiu nota pedindo ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, ‘defesa intransigente’ da atuação do procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, que denunciou o jornalista Glenn Greenwald por organização criminosa no âmbito da Operação Spoofing – investigação sobre invasão de comunicações de autoridades, entre elas o ex-juiz federal Sérgio Moro e de procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná.
DEVER – Segundo os promotores ‘linha dura’, Welligton Divino ‘exerceu, dentro de suas atribuições legais e constitucionais, a proteção implacável da ordem jurídica brasileira’. Em nota pública, a entidade afirma que o Ministério Público tem o dever de apresentar a peça acusatória após o término das investigações, se houver indícios de autoria ou prova da materialidade do crime praticado.
“No caso, o procurador da República convenceu-se da ocorrência de crimes, após a análise das provas colhidas, inclusive a partir de conversas obtidas legalmente em aparelhos apreendidos de propriedade dos hackers.”
DENÚNCIA – Promotores e procuradores ouvidos pelo Estado afirmaram que o Ministério Público tem o direito de oferecer a denúncia. A cúpula da Procuradoria-Geral da República também considera que Glenn pode ser denunciado, apesar de não ter sido investigado.
Por outro lado, a Ordem dos Advogados do Brasil, criminalistas ouvidos pelo Estado, além de entidades do jornalismo, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, contestam o mérito da denúncia, e afirmam que os diálogos expostos na acusação não permitem a interpretação que o procurador deu a eles. A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) ainda protocolou uma representação contra Welligton Divino por ‘evidente prática de abuso de autoridade’ na peça.
ARGUMENTOS – Na peça acusatória divulgada nesta terça-feira, dia 21, Welligton Divino sustenta que o jornalista do The Intercept Brasil ‘auxiliou, incentivou e orientou o grupo durante o período das invasões’. Além de Glenn, a peça abarcou os seis alvos da Spoofing: Walter Delgatti Neto, o ‘Vermelho’, Gustavo Henrique Elias dos Santos, Thiago Eliezer Martins, Danilo Marques, Suelen Priscila de Oliveira e Luiz Henrique Molição.
A indicação do procurador foi feita com base em um áudio de um diálogo entre Luiz Molição e Glenn, encontrado durante análise de um computador apreendido na casa de ‘Vermelho’, suposto líder do ‘grupo de Araraquara’.
PARTICIPAÇÃO AUXILIAR – Para Welligton Divino, a atitude do jornalista durante a conversa caracteriza ‘clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos’.
Em resposta, Glenn divulgou vídeo alegando que a denúncia é uma resposta do governo Jair Bolsonaro (sem partido) contra ele, além de configurar ataques contra a liberdade de imprensa, a Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF).
LIMINAR – A peça de 95 páginas da Procuradoria alega que o inquérito cumpriu a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em agosto. A medida cautelar proibiu que Glenn fosse investigado e responsabilizado pelas autoridades públicas e órgãos de apuração administrativa ou criminal (como a Polícia Federal) pela ‘recepção, obtenção ou transmissão’ de informações publicadas na imprensa.
Em dezembro, a Polícia Federal apresentou relatório de investigação sobre os hackers, e indiciou os seis alvos da Spoofing. No documento, a corporação diz que não era possível, até o momento, ‘ identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados’.
AÇÃO PENAL – A nota do MP Pró-Sociedade frisa ainda que a denúncia de Welligton Divino foi remetida ao Poder Judiciário, ‘ que exercerá o juízo de admissibilidade e instaurar ou não ação penal e instrução (nova apuração, com oitivas de testemunhas, perícias etc) e, após, sentença final, que também poderá ser submetia a recursos’.
O MP Pró Sociedade destacou que o processo penal deve seguir o devido processo legal, ‘rigorosamente, com o direito do contraditório e da ampla defesa aos denunciados, bem como o respeito aos demais princípios constitucionais e infraconstitucionais’.
Nessa sentido, os promotores ‘linha dura’ defendem ainda o ‘impedimento’ do ministro Gilmar Mendes por ‘imparcialidade do juízo’, uma vez que, segundo o Ministério Público Federal, ele teria sido vítima da interceptação de ‘Vermelho’.