Comentário
Ação para prejudicar Serra se voltou contra Dilma
Por que a ex-ministra Dilma Rousseff, candidata à sucessão de Lula, disse no último sábado, em São Bernardo do Campo, que “não foge à luta”?
Ela é quem sabe.
Por que prosperou a interpretação de que ela tinha se referido indiretamente a José Serra e a outros brasileiros que se exilaram durante a ditadura?
Aí é fácil explicar.
No dia 26 de setembro do ano passado, em artigo publicado no site da agência Carta Maior sob o título “Duas trajetórias distintas”, o professor Emir Sader, eleitor de Dilma e fervoroso defensor do governo Lula, escreveu:
“Nas horas mais difíceis se revela a personalidade – as forças e as fraquezas – de cada um.
(…) No Brasil também, na hora negra da ditadura militar, formos todos testados na nossa firmeza na decisão de lutar contra a ditadura, entre aderir ao regime surgido do golpe, tentar ficar alheios a todas as brutalidades que sucediam ou somar-se à resistência. Poderíamos olhar para trás, para saber onde estava cada um naquele período.
Dois personagens que aparecem como pré-candidatos à presidência são casos opostos de comportamento e daí podemos julgar seu caráter, exatamente no momento mais difícil, quando não era possível esconder seus comportamentos, sua personalidade, sua coragem para enfrentar dificuldades, seus valores.
José Serra era dirigente estudantil, tinha sido presidente do Grêmio Politécnico, da Escola de Engenharia da USP. Já com aquela ânsia de poder que seguiu caracterizando-o por toda a vida, brigou duramente até conseguir ser presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo e, com os mesmos meios de não se deter diante de nada, chegou a ser presidente da UNE.
Com esse cargo participou do comício da Central do Brasil, em março de 1964, poucas semanas antes do golpe. Nesse evento, foi mais radical do que todos os que discursaram, não apenas de Jango, mas de Miguel Arraes e mesmo de Leonel Brizola.
No dia do golpe, poucos dias depois, da mesma forma que as outras organizações de massa, a UNE, por seu presidente, decretou greve geral. Esperava-se que iria comandar o processo de resistência estudantil, a partir do cargo pelo qual havia lutado tanto e para o qual havia sido eleito.
No entanto, Serra saiu do Brasil no primeiro grupo de pessoas que abandonou o país. Deixou abandonada a UNE, abandonou a luta de resistência dos estudantes contra a ditadura, abandonou o cargo para o qual tinha sido eleito pelos estudantes. Essa a atitude de Serra diante da primeira adversidade.
(…) Outra personalidade que aparece como pré-candidata à presidência também teve que reagir diante das circunstâncias do golpe militar e da ditadura. Dilma Rousseff, estudante mineira, fez outra escolha. Optou por ficar no Brasil e participar ativamente da resistência à ditadura, primeiro das mobilizações estudantis, depois das organizações clandestinas, que buscavam criar as condições para uma luta armada contra a ditadura militar.”
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O artigo de Sader foi reproduzido pelo blog Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, adversário ferrenho da candidatura Serra. Em seguida foi citado em artigo publicado no blog do ex-ministro José Dirceu. E desde então
Se Dilma leu o artigo, se se lembrou dele ao afirmar que não foge à luta, somente ela pode dizer. E ela disse que sua referência a não fugir à luta nada teve a ver com aqueles que se exilaram.
Mas sem dúvida havia uma ação de desconstrução da imagem de Serra na internet. E essa ação se aproveitou do que disse Dilma. Tanto que celebrou com euforia o que ela disse.
O que foi péssimo para a imagem dela.
É longa a lista dos brasileiros ilustres que, ameaçados pela ditadura, buscaram refúgio no exterior. Vai de Miguel Arraes, Leonel Brizola e João Goulart a Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e Ferreira Gullar, por exemplo.
A ação para ajudar Dilma acabou por prejudicá-la.
Ricardo Noblat